[Artigo original publicado a 26 de maio de 2022; este sábado o guarda-redes do Benfica brincou Dragão Arena com a filha do eterno amigo Quintana após o clássico com o FC Porto]

Em 2019, o FC Porto chegou à final-four da Taça EHF. Este ano é o Benfica que consegue estar nas meias-finais da segunda competição do andebol europeu. A unir as duas participações o nome de Alfredo Quintana.

Se em 2019 o guarda-redes era uma das figuras desse FC Porto, em 2022 é guarda-costas e escudo protetor de Gustavo Capdeville.

Alheio a rivalidades, o guarda-redes do Benfica joga com o nome do antigo companheiro de seleção nas costas desde que Quintana morreu. E junta-lhe uma t-shirt com a foto de um abraço entre os dois estampada no peito, por baixo da camisola de jogo. E ainda uma cruz com as iniciais de Alfredo Quintana.

Nesta segunda parte da entrevista, Capdeville fala da forte ligação que tinha com alguém que considerava «um irmão», que gostava de o ver brilhar… mesmo quando eram adversários.

Se não jogasse andebol, dizem-lhe que teria jeito para ser comediante. E quem segue as redes sociais do jovem de 24 anos percebe isso facilmente. São constantes as publicações em tom humorístico.

Mesmo quando o tema é duro. Como foi a morte da avó há poucos meses. O guarda-redes do Benfica confessa que brincar com a doença de uma das pessoas mais importantes da sua vida foi a forma que encontrou de amenizar a dor de ela nem se lembrar do nome dele.

Capdeville admite também que já teve possibilidade de se mudar para o FC Porto, clube no qual é muito admirado (também) devido às homenagens constantes a Quintana, mas afirma querer deixar uma marca forte no Benfica. 

Maisfutebol: Decidiu homenagear a relação com o Alfredo Quintana passando a jogar com o nome dele nas costas desde que ele morreu. É a forma de o imortalizar?

Gustavo Capdeville: Eu sempre disse que ele é uma pessoa muito importante para mim. Foi embora muito cedo, e sei que ele ia andar nestes palcos grandes pelo menos mais 10 anos. E é isso que eu vou querer fazer sempre: que ele continue a estar connosco. Que o nome dele continue a aparecer e que as pessoas continuem a contar a história dele. Não vai estar presente fisicamente, mas vai continuar a aparecer nos pavilhões. O nome e a história dele vão continuar a ser contados durante muitos anos. É isso que eu quero que continue a acontecer.

MF: Disse uma vez que deve tudo ao Quintana.

Gustavo Capdeville: Sim, sem dúvida. Muito do que sou hoje devo ao Quintana, ao Humberto [Gomes], ao Telmo [Ferreira, treinador de guarda-redes do FC Porto e da seleção] e a todos com quem trabalhei. Mas ao Quintana ainda mais. Ele conheceu-me quando eu tinha 18 anos e fui pela primeira vez à seleção. Acolheu-me muito bem e ajudou-me sempre em tudo. Por isso é que digo que lhe devo tanto.

MF: Toda a equipa do Benfica jogou com o nome do Quintana nas costas depois da morte dele. Mas o Gustavo decidiu continuar a homenageá-lo. Tratando-se de uma figura do FC Porto, como foi a aceitação do Benfica quando fez esse pedido?

Gustavo Capdeville: Eu pedi para jogar com o nome dele e nunca houve problema com isso. Acho que isso também mostra a grandeza do Benfica, que esteve muito bem nessa atitude. Independentemente de ser um jogador do FC Porto, do Sporting, ou de outro clube qualquer. Isto é muito mais do que desporto. Trata-se de uma amizade. De um irmão. A imagem que ele sempre transmitiu e o jogador que ele era vale muito mais do que uma rivalidade. O Benfica nunca se opôs, eu agradeci na altura, agradeço hoje e vou continuar a jogar com o nome dele enquanto for possível.

MF: Depois de ganharem ao FC Porto aqui na Luz, publicou uma mensagem para o Alfredo Quintana a dizer «desta vez, caiu para mim»…

Gustavo Capdeville: Sim. Jogar contra o FC Porto vai ser sempre diferente por ele não estar. Ir ao Dragão sem ele estar lá não vai ser a mesma coisa. Sempre tivemos a rivalidade de ver quem ganhava, mas ele queria sempre o meu bem e eu o dele. Aconteceu estarmos a jogar um contra o outro e ele querer que eu fizesse melhor. Independentemente de ser contra o clube dele. Muitas vezes ganhou ele, daquela ganhei eu.

MF: As homenagens ao Quintana fizeram com que passasse a ser uma pessoa muito admirada até por adeptos do FC Porto.

Gustavo Capdeville: Sim. Até posso contar: muitas vezes nas minhas redes sociais, ou quando encontro pessoas do FC Porto, dizem-me «gostava que fosses como o Areia» [jogador que trocou o Benfica pelo FC Porto]. Eu não sei o meu futuro, mas quero criar o meu legado no Benfica como o Quintana fez no FC Porto. Toda a gente adorava o Quintana e ele era uma peça fundamental do FC Porto. E eu gostava de fazer isso no Benfica. O FC Porto é um grande clube, já tive possibilidade de sair para o FC Porto e para outros clubes e não quis. Quis continuar no Benfica, estou muito feliz e quero fazer do Benfica um clube vencedor e deixar isso como imagem de marca

MF: Este ano perdeu a sua avó, uma das pessoas mais importantes da sua vida…

Gustavo Capdeville: [interrompe] Isto de repente ficou tipo Alta Definição. Está muito Daniel Oliveira… [risos]

MF: Ia dizer que tal como o Quintana, também ela continua muito presente, por exemplo nas suas redes sociais.

Gustavo Capdeville: Sim. Perder uma pessoa é sempre difícil. O Alfredo foi uma coisa repentina que me doeu mesmo muito porque era como um irmão e ninguém estava à espera. A minha avó tinha Alzheimer e a doença estava numa fase muito avançada. Ela já não falava, dependia muito da minha mãe, e foi o melhor. Claro que foi difícil, mas eu estava mais preparado para a partida dela do que a do Alfredo.

MF: Lidou melhor com a morte da sua avó?

Gustavo Capdeville: Sim, lidei. Por isso é que faço muitas brincadeiras sobre ela nas minhas redes sociais. Porque temos de sorrir, não podemos ficar agarrados aos problemas. Temos tempo para refletir e depois temos de seguir em frente. Foi isso que fiz, agradeci por tudo o que fez por mim, fiquei muito feliz pelo que passei com ela, mas agora está num sítio melhor.

MF: Nos últimos meses de vida dela, fez várias publicações a brincar com uma doença grave. Foi para tornar a dor mais suportável?

Gustavo Capdeville: Sim. Porque no início foi muito difícil. Eu sabia o que era o Alzheimer, mas nunca tinha lidado de perto com isso. E uma das pessoas mais importantes da minha vida não se lembrar do meu nome foi muito marcante para mim. Eu tentava explicar-lhe com fotos, vídeos e cheguei a fazer esquemas para ela perceber quem eu era. E mesmo assim, ela não chegava lá. Ela não saber o meu nome, não saber sequer onde estava foi mesmo muito difícil. Essa aceitação demorou algum tempo.

MF: E brincar tornava a situação mais leve…

Gustavo Capdeville: Sim, tive de relativizar. Porque se ficamos agarrados a esse sentimento de frustração e à recusa do facto da pessoa não saber quem nós somos, vamos entrar num caminho negativo que não é bonito. Eu não queria isso e tentei mostrar o algo bonito de uma doença que é dura. Mostrar felicidade, sorrir e fazer piadas foi a forma de não entrar numa espiral negativa da qual podia não conseguir sair. Ela não se ia lembrar mais do meu nome, eu ia continuar chateado e triste, por isso, acho que foi melhor assim. Tentei ver o bom da vida no mau.

MF: Fora do campo o Gustavo é o brincalhão?

Gustavo Capdeville: Sim, sou mesmo isso: o brincalhão que quer fazer as outras pessoas sorrir. A vida resume-se a sorrir e fazer felizes as outras pessoas. É isso que eu gosto de fazer, animar os dias de toda a gente. Porque não sabemos o que a outra pessoa passou e uma gargalhada pode fazer a diferença. Eu gosto de fazer essa diferença.