Agora é oficial. Sérgio Conceição deixa o FC Porto ao fim de sete anos e se há momento para falar em fim de uma era é este, quando parte o treinador que construiu um legado único, logo depois da saída do presidente que liderou o clube durante mais de quatro décadas. Para lá da saída envolta em controvérsia, Conceição parte como uma figura cimeira na história do FC Porto.

É o adeus do treinador com mais títulos conquistados no banco dos dragões, o técnico com mais jogos, mais vitórias e detentor uma série de outros recordes, ao longo de um percurso em que o clube se confundiu com a sua personalidade. O treinador ultra-competitivo, pragmático, exigente e sanguíneo foi o principal rosto e voz do FC Porto desde que foi apresentado no Estádio do Dragão a 8 de junho de 2017. Sete anos, quase dia por dia.

No regresso ao clube que representou como jogador, Conceição prometia então «raça», mas também «qualidade e ambição». «Ganhar no grito já não existe. Ter raça é importante, mas é preciso inteligência a ler o jogo e no dia a dia», disse, resumindo assim ao que ia: «Não venho para aqui aprender, venho ensinar.»

O FC Porto não ganhava há muito tempo. Na primeira época, Conceição quebrou esse ciclo negativo. Foi campeão nacional, evitando de caminho o penta do Benfica. Ganhou mais do que qualquer outro treinador português num só clube, superou marcas de históricos como José Maria Pedroto ou Artur Jorge.

Viu chegar e sair muitos jogadores, atravessando um período crítico nas finanças do clube, sob constrangimentos por violação das regras do fair play financeiro da UEFA. Num discurso a que nunca faltou conteúdo, assumiu batalhas sem fim, para dentro e para fora do clube, na sala de imprensa e no banco.

Conceição sai depois de ter terminado em 2023/24 no terceiro lugar da Liga, a sua pior classificação na passagem pelo clube, mas acabando a conquistar a Taça de Portugal. A saída era o desfecho que já se adivinhava para o treinador que assinou com Pinto da Costa uma renovação a dois dias do ato eleitoral que levou André Villas-Boas à presidência. Não foi uma saída pacífica, com acusações trocadas em público por elementos da sua equipa técnica em volta dos alegados contactos de Villas-Boas com Vítor Bruno para uma possível sucessão no banco.

Esse é um assunto ainda em aberto, que não apaga o que representou Sérgio Conceição no Dragão. Uma era que o Maisfutebol resume aqui, a partir de alguns números.

11 troféus, do fim do jejum ao recorde

Quando Sérgio Conceição chegou, tinham passado quatro anos desde que o FC Porto vencera um troféu pela última vez – a Supertaça de 2013. Ele quebrou o mais longo jejum de títulos da era Pinto da Costa e conquistou troféus em todas as temporadas no Dragão. Foi três vezes campeão nacional, ganhou quatro Taças de Portugal, três Supertaças e conquistou a primeira Taça da Liga para o museu portista, conseguindo de caminho duas dobradinhas. Fez do FC Porto o clube mais vencedor a nível nacional neste período, em que o Sporting somou oito títulos e o Benfica cinco. 

Tornou-se o treinador mais vencedor de sempre do FC Porto e o segundo em absoluto no futebol português, atrás apenas de Jorge Jesus, que tem 12 troféus, 10 pelo Benfica e dois pelo Sporting. Na comparação com outros grandes treinadores portistas não tem, contudo, uma conquista europeia. Tem apesar disso várias campanhas competentes na Liga dos Campeões, onde conseguiu chegar aos quartos de final por duas vezes e onde soma 50 jogos.

379 jogos, 91 pontos e outros recordes

Superou ainda na época passada o anterior máximo de 322 jogos como treinador do FC Porto, que pertencia a José Maria Pedroto. Despede-se com 379 jogos, que correspondem a 274 vitórias, 53 empates e 52 derrotas. É recordista de vitórias e absoluto, mas, com uma percentagem de 72 por cento de triunfos, surge no quarto lugar entre os treinadores portistas com melhor registo nesse capítulo, contando aqueles que têm mais de 50 jogos. A lista é liderada… pelo agora presidente André Villas-Boas, que venceu 84.5 por cento dos jogos na época de ouro de 2010/11.

Mas Conceição é também o treinador que conquistou o maior número de pontos de sempre num campeonato – 91, na caminhada para o título em 2021/22. Também estabeleceu um recorde de 58 jogos seguidos sem derrotas no campeonato nacional, ou um máximo de triunfos consecutivos na Taça de Portugal, que está em 21 jogos e ainda pode ser aumentado.

Quase 100 jogadores e os mais utilizados

Sérgio Conceição utilizou 97 jogadores nestas sete temporadas. Nenhum jogador do FC Porto acompanhou todo o período do treinador no clube, embora lá continuem Marcano e Galeno, que estiveram na primeira temporada de Conceição, mas saíram do clube antes de voltarem. O jogador mais utilizado por Conceição foi Otávio, que deixou o Dragão na época passada, ao fim de 250 jogos sob o comando do técnico. A seguir vem Jesus Corona, com 211 jogos, e a fechar o pódio Pepe, com 201 jogos.

Dez treinadores passaram por ele nos bancos rivais

Um número que dá a medida da longevidade de Sérgio Conceição no banco do FC Porto. Desde que ele chegou, passaram dez treinadores pelos bancos de Benfica e Sporting. Na Luz foram cinco: Rui Vitória, Bruno Lage, Jorge Jesus, Nélson Veríssimo (em duas passagens como treinador de transição) e há duas épocas Roger Schmidt. Em Alvalade, o Sporting teve Jorge Jesus, José Peseiro, Marcel Keizer e Silas, sem contar com os interinos Tiago Fernandes e Leonel Pontes, antes de ter encontrado há quatro anos a estabilidade com Rúben Amorim.

280 milhões gastos e 540 milhões ganhos, menos que Benfica e Sporting

Sérgio Conceição viu sair e chegar muitos jogadores, num período em que se acentuou no Dragão a necessidade, transversal aos clubes portugueses, de vender para compensar desequilíbrios nas contas. Nestes sete anos, os dragões investiram ainda assim cerca de 280 milhões em reforços, recorrendo a dados estimados pelo Transfermarkt, o que dá uma média próxima dos 40 milhões por época. David Carmo, contratado por 20 milhões de euros, foi o reforço mais caro. Os principais rivais gastaram mais no mesmo período: o Benfica gastou cerca de 450 milhões e o Sporting superou os 300 milhões.

Quanto a receitas, os dragões também realizaram encaixes menores do que os rivais, numa fase em que viram sair vários jogadores importantes a custo zero, como Brahimi, Aboubakar, Marega ou Herrera. O FC Porto ganhou cerca de 540 milhões de euros no mercado nestes sete anos – sendo a principal transferência a de Otávio para a Arábia Saudita, por 60 milhões de euros – enquanto o Benfica fez receitas próximas dos mil milhões de euros e o Sporting de 600 milhões.

15 expulsões e ainda mais jogos de Vítor Bruno no banco

De Sérgio Conceição fica também a marca da personalidade de nervos à flor da pele, que teve como face mais notória o elevado número de problemas disciplinares. Foram 15 expulsões no total como treinador do FC Porto, a última na final da Taça de Portugal, no seu último jogo no banco portista. Algumas delas ficaram marcadas por momentos bizarros, como a recusa em sair do campo na Supertaça de 2023 com o Benfica.

Entre expulsões, processos disciplinares e castigos por acumulação de amarelos, foram 19 os jogos em que não esteve no banco. Em quase todos foi substituído por Vítor Bruno. O adjunto de muitos anos com quem entrou em rota de colisão neste processo de saída do clube substituiu Sérgio Conceição em 18 jogos, sem nunca ter perdido: 16 vitórias e dois empates. Há dois anos, Conceição até salientava esse dado. «O que vale é que tenho uma equipa técnica invencível», disse em março de 2022. Curiosamente, houve um jogo que não teve nem Conceição nem Vítor Bruno no banco, porque ambos cumpriam castigo depois de terem sido expulsos frente ao Marítimo. Dessa vez, em fevereiro de 2023, foi Dembelé a ir para o banco, na vitória por 2-0 sobre o Vizela.