A chegada de Courtney Reum à II Liga, e ao Länk Vilaverdense, promete escrever um novo capítulo no que a transferências insólitas diz respeito. O empresário multimilionário de 45 anos – e cunhado de Paris Hilton – está a ser apontado como fonte de investimento nesta SAD, uma vez que aporta um património avaliado em 35 milhões de euros.

Para já longe, de férias na Bolívia, há expectativa em perceber como Reum se dará pelos relvados portugueses, até porque nunca competiu como profissional.

Em simultâneo, o clube sediado em Vila Verde – mas que joga em Coimbra – também recebeu Sherwin Seedorf, de 25 anos e sobrinho de Clarence Seedorf. O atleta não competia desde 2020/21, quando somou 13 jogos pelos escoceses do Motherwell.

Assim, o final de janeiro parece pródigo em surpresas na segunda divisão nacional. Há um ano, a Oliveirense anunciava a contratação de Kazu Miura, veterano japonês idolatrado por ser o jogador mais velho do mundo. A poucas semanas de completar 57 anos, Miura participou em seis partidas e arrasta curiosos onde quer que a equipa de Oliveira de Azeméis jogue. Em simultâneo, alimentará, por certo, as esperanças daqueles que se julgavam arredados do sonho futebolístico.

Ao minuto: o que ainda há a saber no mercado de transferências

Em todo o caso, a história do futebol está repleta de transferências inesperadas, algumas insólitas, escritas pelo génio de «espertos», que conseguiram a proeza de garantir um lugar na elite do futebol, mesmo que por meros dias.

O (suposto) primo de George Weah

Corria o ano de 1996 quando Graeme Souness, treinador do Southampton – uma época antes de assumir o comando do Benfica, até 1999 – recebeu um alegado telefonema do então Bola de Ouro e grande craque George Weah. O suposto liberiano falou-lhe de um primo, senegalês de 22 anos, que estava em Inglaterra à procura de um clube.

Grame Souness chamou então o primo de Weah para uma semana de testes e, diz ele, decidiu ao fim de cinco minutos que Ali Dia não tinha talento suficiente. Face às lesões no plantel e à falta de soluções para o ataque, o técnico deixou-se convencer pela cunha metida por George Weah e avançou com um contrato experimental, de um mês.

Sem impressionar nos treinos, o senegalês acabou por integrar os suplentes para uma partida frente ao Leeds, a contar para a Premier League. De facto, os «saints» tinham o plantel «magro». E eis que aos 32 minutos, Matt Le Tissier, referência do ataque, sai lesionado. «Mais uma baixa», terá pensado Souness, que se viu obrigado a lançar Ali Dia.

Curiosamente, foi o princípio do fim para este «esperto». A prestação foi tão má que o técnico substituiu Dia aos 85m. Para agravar aquela tarde, o Leeds venceu por 2-0.

Nos dias seguintes, Ali Dia esteve entregue ao departamento médico e Souness contactou o verdadeiro George Weah, que se mostrou surpreendido com aquela história: nunca tinha telefona a Souness, claro, e não tinha nenhum primo no Senegal. Ora, o suposto jogador profissional tinha, na verdade, 31 anos, estudava economia e só tinha experimentado o futebol a nível amador.

«Tenho a consciência limpa. Deus vai ser nosso juiz», disse Ali Dia ao Bleacher Report, em 2015.

O presidente que se contratou para treinador... na Liga Espanhola

Em 2003 a Liga Espanhola era a melhor do mundo. Eram os gloriosos anos dos Galáticos do Real Madrid, do Barcelona de Louis Van Gaal (mais Riquelme, Overmars, Frank de Boer, Cocu e Kluivert) e até do Deportivo de Djalminha, Mauro Silva, Fran, Makaay, Pandiani, Jorge Andrade e Valerón. Ora foi precisamente nesta Liga das estrelas que aterrou um fenómeno chamado Dimitri Piterman: multimilionário norte-americano de origem ucraniana.

Piterman comprou nessa altura uma participação no Racing Santander, que o tornou o maior acionista do clube e lhe deu direito a ser presidente. Mas isso não era suficiente para ele. Logo na altura assumiu que queria assumir o comando desportivo da equipa e poucos dias depois já era o treinador. A cada reunião que fazia, sucediam-se as demissões na estrutura de futebol do Racing e ele ia assumindo cargos: diretor desportivo, secretário técnico, até treinador de guarda-redes: o milionário era tudo.

A partir daí começou outra cruzada: conseguir ir para o banco. A Liga Espanhola não estava nada contente com aquela publicidade negativa e fez tudo para o impedir de orientar a equipa. Tentou inscrever-se como treinador, não foi autorizado. Tentou inscrever-se como roupeiro, não foi autorizado. Por isso, e para o próximo jogo, só entrou como... fotógrafo. Sim, isso mesmo, o treinador esteve perto do relvado com uma credencial de repórter fotográfico do próprio clube.

Depois disso encontrou uma falha nos regulamentos: delegado da equipa. E desta forma lá se sentou no banco, a partir de onde orientou a equipa. Pelo caminho, tomou algumas decisões verdadeiramente visionárias. Uma delas, por exemplo, tinha a ver com os prémios de jogo. Por cada vitória, Piterman pagava ao plantel 300 mil euros. No entanto, se perdessem, o plantel tinha de pagar ao clube os mesmos 300 mil euros. E a verdade é que os jogadores aceitaram.

Quem não gostou nada disto foram os adeptos do Racing Santander, que estavam fartos de ver o clube ser troçado por toda a gente. As manifestações contra Piterman sucediam-se e, por causa delas, o milionário acabou mesmo por se demitir do cargo seis meses após ter sido indigitado presidente. Miraculosamente, o Racing Santander sobreviveu na Liga Espanhola.

O influencer que disputou o campeonato carioca

Chama-se Lucas Strabko, chegou a ser jornalista, mas descobriu que as redes sociais davam mais dinheiro. Mudou o nome artístico para Cartolouco e virou influencer: um dos maiores no mercado brasileiro.

O bicinho do futebol, porém, nunca morreu e em 2021, quando tinha 25 anos, conseguiu ser contratado pelo Resende para disputar o Campeonato Carioca. O que deixou o mito Zico, do rival Flamengo, por exemplo, de boca aberta. «Isso é mesmo verdade? Meu Deus, ao que chegamos. Como está hoje o futebol...», disse na altura.

Certo é que Cartolouco levou aquele contrato de seis meses muito a sério. Treinava todos os dias, fazia tudo exatamente como os colegas, dedicou-se inteiramente ao futebol. O talento é que não era tão grande como a vontade, e Cartolouco só conseguiu ser convocado uma vez, para o jogo contra o Vasco da Gama. Chegou a receber ordens para aquecer e o coração dele nessa altura deve ter disparado, mas acabou por não entrar em campo.

Já o Resende fez um Cariocão razoável, somou três vitórias (incluindo uma sobre o gigante Fluminense) e dois empates em onze jogos e acabou no nono lugar, bem acima das posições de despromoção. 

O «Rei» Kaiser

Antes de Dia, já Carlos Henrique Raposo – conhecido nas lides do futebol por Carlos Kaiser, pelas parecenças com Franz Beckenbauer – fazia «escola» na arte de enganar clubes pela «chico-espertice».

Nascido em 1963, foi raptado ao sétimo dia de vida, servindo para colmatar os problemas financeiros da «mãe adotiva». Forçado ao «mundo da bola», cresceu na formação do Botafogo e Flamengo, e acabou por ser vendido a um agente, do qual não se poderia desvincular. A partir daí construiu uma carreira que já foi até transportada para o cinema.

A estratégia era sempre a mesma: criar fama de craque, assinar por um clube e fazer tudo para nunca jogar.

«Primeiro, tens que ter na cabeça que era numa época sem internet e sem exames de ressonância magnética. Então simulava lesões nos treinos, aproveitava qualquer entrada mais dura para fazer um teatro ou então fingia uma dor muscula. Dizia que não podia jogar e era a minha palavra contra a do médico», contou mais tarde.

Certa vez, quando jogava no Bangu, Carlos Kaiser passou por um mau momento. Incapaz de convencer o treinador, foi convocado para um jogo e mais tarde colocado a aquecer. A máscalara estava quase a cair.

«Quando comecei a aquecer, vi uns adeptos a insultar a nossa equipa. Saltei a vedação e fui brigar com eles. Fui expulso antes de entrar em campo.»

Afortunado de uma particular facilidade em estabelecer contactos e amizades, sobretudo na esfera do futebol e com a imprensa, era além disso o «Rei» da noite, sem que ninguém colocasse em causa o talento desportivo.

Desta forma foi somando transferências e transferências, saltando de clube em clube, sem ninguém descobrir o pouco talento para o futebol. Botafogo, Flamengo, Puebla, El Paso Sixshooters, Bangu, Ajaccio, Fluminense, Vasco da Gama, América, enfim, a lista é longa.

Kaiser somou histórias inesquecíveis e correu mundo: passou pelo futebol francês, norte-americano, mexicano...e português.

Sim, esta história guarda um capítulo para o Loulentano – onde, imagine, não jogou – e chegou ao grande ecrã. Anos depois de pendurar as chuteiras, e aquando da estreia do filme, Kaiser revelou a necessidade de adaptar alguns pormenores – como o nome das mulheres com quem se envolveu – mas, acima de tudo, o próprio admite que esta é uma história «triste», de alguém que foi forçado a seguir um caminho que não escolheu, do qual era praticamente escravo. Além disso, viu três esposas falecerem, perdeu o filho aos 18 anos e não conhece a mãe biológica.

Aos 60 anos, Carlos Kaiser é personal trainer, na vertente feminina de fisiculturismo, depois de ter alcançado um dos seus objetivos de infância: ser professor de educação física.

Uma questão de números

Ainda se lembra de Taribo West? O defesa central nigeriano que atuou pelos gigantes de Milão e pelo Auxerre, de França, protagonizou, há 10 anos, uma polémica que manchou os 20 anos de carreira.

«Em 2002, quando o contratamos, Taribo tinha 28 anos. Depois, descobrimos que, na verdade, tinha 40 anos. Mas, como ele jogava bem, não desistimos de o ter na equipa», confessou Zarko Zecevic, antigo presidente do Partizan, em entrevista ao Daily Mail, em 2013.

Ora, tais declarações surgiram anos depois de o Guardian dar conta de um esquema de falsificação de documentos no Obanta United, onde Taribo West cresceu para o futebol. As investigações apontaram em sentidos idênticos: estes processos tinham um preço, mas, por norma, eram céleres, atestando «juventude» a qualquer um. A capacidade de o provar, depois, cabia a cada jogador, e, durante duas décadas, Taribo West foi uma autêntica dor de cabeça para Henry, Weah e demais avançados.

Ainda que o central tivesse mais 12 anos do que aqueles que constavam na identificação, o jogador, que entretanto fundou uma igreja, sempre refutou qualquer acusação.

A «finta» à lei que custou (muito) caro ao West Ham

A campanha da Argentina até aos «quartos» do Mundial de 2006, despertou o interesse de «tubarões» europeus em dois jovens: Tévez e Mascherano. À época, a imprensa relacionava os jogadores do Corinthians a Barcelona, Real Madrid ou Juventus. Para surpresa – ou até choque – dos adeptos, os argentinos, de 22 anos, reforçaram, em agosto, o West Ham, num investimento total de 29,2 milhões de euros.

Contudo, poucos meses depois, ficou claro por que motivo os «hammers» superaram os «donos» do mercado. Pela mão de Kia Joorabchian, então líder do fundo Media Sports Investment, e que detinha ações no Corinthians, os negócios foram selados. O empresário iraniano, diga-se, era já uma cara conhecida entre os adeptos britânicos, uma vez que, em novembro de 2005 havia falhado a compra do West Ham.

«Longe de ajudá-los a desafiar a elite, contratar Tévez e Mascherano quase provocou a despromoção, causou problemas financeiros a longo prazo e perturbou a harmonia no balneário», escreveu o Guardian no final da época, e com motivos para tal.

Face à constante mudança de posição, ora a lateral, ora a médio, Mascherano deixou o West Ham em janeiro, reforçando, por empréstimo, o Liverpool, onde ficaria em definitivo até 2010.

Quanto a Tévez, o avançado só marcou o primeiro golo em abril, ainda que tenha surgido a tempo de evitar a despromoção. O West Ham estacionou apenas três pontos acima da linha de água. Na época seguinte, o argentino foi emprestado ao Manchester United, até 2009.

Face ao envolvimento do iraniano Kia Joorabchian na dupla transferência, os «hammers» foram multados em mais de seis milhões de euros.

O jogador «mais rico do mundo» nas cores do Marítimo

De regresso a Portugal, a realeza do Brunei pisou os relvados nacionais, pela primeira vez, no final do verão de 2020. O Marítimo apostou na então promessa Faiq Bolkiah, de 22 anos e príncipe do Brunei, que nasceu nos EUA. Formado no Chelsea e no Leicester City, o médio não somou qualquer minuto pela equipa principal dos madeirenses, confirmando a incapacidade de juntar o sucesso desportivo à famosa herança de 18 mil milhões de euros.

Após a fugaz passagem pela Madeira, Bolkiah seguiu para a Tailândia, onde somou 42 jogos, quatro golos e quatro assistências nas últimas três épocas. Em todo o caso, o príncipe do Brunei será sempre o último a rir, uma vez que o futuro profissional está garantido e a sustentabilidade financeira, ao que tudo indica, também.

Porventura, esta terá sido uma potencial jogada de marketing que não surtiu os efeitos desejados, tanto nas redes sociais como nas portas que se abriram no mercado internacional.

Casos (ir)reais que marcaram as últimas décadas, provando que a tecnologia e o scouting não são o garante de bons reforços. Em todo caso, há expectativa para perceber o que aportará a uma equipa – pelas regras – profissional, contratar um empresário – sublinhe-se, multimilionário – para ajudar na fuga à despromoção.