O catálogo dos crimes imputados às pessoas colectivas é dos temas mais «arrepiantes e assustadores» da reforma penal, defendeu Costa Andrade no debate «Pensando Melhor a Reforma Penal», promovido pela Associação de Juízes pela Cidadania (AJpC), quinta-feira, em Lisboa.
«Como imputar a violação de um menor a uma sociedade?», questionou o penalista, acrescentando que «se a vítima, em vez de menor for adulta, então a pessoa colectiva já não responde criminalmente».
De acordo com o professor de direito «este artigo vem da pedofilia (Casa Pia)» e prova uma vez mais que «uma reforma casada com o caso concreto, acorda rapidamente solteira».
Outro artigo «ridículo» é o 132, referente ao Homicídio Qualificado, que depois de na lei anterior já considerar especialmente censurável o crime praticado, designadamente, contra «membro de órgão de soberania, magistrados, autarcas, comandante de força pública, agentes das forças de segurança, funcionário público, docente ou funcionário escolar», agora também fez questão de incluir «o árbitro desportivo sob a jurisdição das federações desportivas», todos no exercício das suas funções ou por causa delas.
«Não tivesse havido Apito Dourado e os árbitros não estariam lá», sublinhou.
Mais. «Este artigo dá a impressão de que há vidas mais importantes do que outras» e «leva-nos
a pensar que quem lá não está verdadeiramente não é gente». «Por que não metemos lá também o padeiro que nos leva o pão tão quentinho de manhã?!», ironizou.
Europeus têm seis vezes mais probabilidades de serem escutados do que os norte-americanos
A probabilidade de um europeu ser escutado «é seis vezes superior» à de um norte-americano, refere ainda Costa Andrade, enunciando o exemplo do crime de «evasão» de preso que, no seu entender, não deveria admitir escutas telefónicas para efeitos de prova. «Escutas para quê? Ele não está lá. Não apareceu ao rancho é porque fugiu», gracejou.
Todas as intromissões nas comunicações têm de estar previstas na lei, mas Costa Andrade confessa o «receio de que se esteja a trabalhar completamente à margem da lei».
Apesar de toda a polémica em torno das escutas telefónicas, o penalista lembra que há meios ocultos de investigação bem mais penosos para o arguido, designadamente a intercepção de comunicações entre presentes (a colocação de um microfone debaixo da mesa, por exemplo) e os «agentes encobertos» que nem sequer tiveram direito a regulamentação no Código de Processo Penal (CPP).
«Os agentes encobertos são piores do que as escutas. Porque nas escutas nós dizemos o que queremos e com os agentes encobertos acabamos por dizer o que eles querem que digamos».
Não obstante as críticas dirigidas à reforma penal, Costa Andrade aplaude a norma que exige um despacho fundamentado do juiz a autorizar a realização de intercepções telefónicas ou de escutas em presença. «Honra seja feita ao CPP nesta parte», remata.
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