26 de maio de 2004: Mónaco-F.C. Porto, 0-3

Não gosto de vitórias suadas. Não gosto de coisas difíceis, não tenho paciência. Tenho para mim que os adventistas do velho mito «suadas sabem melhor» ainda não perceberam que uma vitória no último minuto não é bem uma vitória: é um não empate. No fundo estão a festejar por alívio e não por alegria honesta. Não é a mesma coisa, garanto.

Alinho mais por uma adaptação pessoal de outra máxima antiga: um é pouco, dois é bom, três...é perfeito.

Se fosse eu a mandar as minhas equipas haveriam de ganhar sempre 3-0. Porque a ganhar por um fica sempre aquela sombra: Se empatam...Ganhar por dois também não é seguro: Se marcam só falta mais um e empatam... E ganhar por quatro ou cinco já entra no campo do desnecessário. O que tira parte do prazer. Três, para um tipo prevenido como eu, é mesmo o ideal.

Sou alguém que não percebe para que serve um trava-línguas, que fugia do cubo mágico e que franze as sobrancelhas só de pensar que um dia alguém achou que era giro meter números e letras na mesma conta.

Portanto, e para deixar bem vincada a ideia, reitero: gosto de coisas simples. Prefiro o prático e o fácil. Não consigo ver nada interessante no que é difícil. Excetuando mulheres, vá. Tirando isso, as coisas simples, se pensarem bem, são mesmo as melhores da vida. O pôr do sol, um mergulho no mar, uma paisagem natural e mais alguma filosofia barata que pode, caro leitor, acrescentar a seu gosto no meio da frase.

O futebol que mais me encanta é também o futebol simples, ou o que assim parece, pelo menos. O tiki-taka do Barcelona, o tal que é chato mas que ninguém faz igual. Mas também a verticalidade de Ronaldo, cada vez mais evidente com o passar dos anos. E a frieza de Falcao, como outrora Batistuta, Inzaghi ou Van Nistelrooy. Homens de processos simples e grandes metas.

Ganhar não tem, necessariamente, de ser uma coisa complicada. Quase sempre basta ser melhor.

E por isso, o meu modelo de vitória perfeita é, desde 2004, o F.C. Porto-Mónaco da final da Liga dos Campeões. Veni, vidi, vici. Quem via a equipa de José Mourinho jogar, por aqueles tempos, acreditava mesmo noutro desfecho?

Estaria à espera de uma invenção que deitasse tudo a perder? De um complicómetro carregado pelos onze que entrassem naquele relvado? De processos, teorias, burocracias para chegar ao golo?

Por essa Europa fora, poderia haver muita gente que não percebesse ainda a máquina de futebol que era aquele F.C. Porto. Um por um, jogador a jogador, poderiam antever um duelo equilibrado. Mas nenhum português atento poderia ter a mesma conclusão.

Um, dois, três golos. O jogo tornou-se fácil. O F.C. Porto tornou-o fácil. A máquina passava, dominava. Era trituradora, cilindro, caixa forte. Um, antes do intervalo. Dois e depois três, na segunda parte. O tal resultado perfeito, sem margem para sustos. O caso que, se não é, parece simples. E encanta quem não gosta do rebuscado, do íngreme e do difícil.

Era difícil imaginar que o remate de Carlos Alberto ia entrar? Que Deco ia enganar toda a gente e colocar a bola no sítio certo? Que a corrida desenfreada de Alenitchev ia dar golo? Era difícil prever que o Mónaco de Morientes, Rothen, Giuly, Prso ou Adebayor ia cair aos pés daquele F.C. Porto?

Difícil? Nada. Difícil só mesmo aprender a dizer Gelsenkirchen.

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