DESTINOS é uma rubrica do Maisfutebol: recupera personagens e memórias dessa década marcante do futebol. Viagens carregadas de nostalgia e saudosismo, sempre com bom humor e imagens inesquecíveis. DESTINOS.

LUBOMIR VLK: FC Porto (1990 a 1993)

Vlk. Sem vogais. Um lateral esquerdo inesquecível. Alto, de pernas longas e passada larga. Chegou em 1990 ao FC Porto, para suceder a Branco, mas as lesões adiaram sempre a titularidade absoluta. Alternou com os jovens Rui Jorge e Morgado o lado esquerdo da defesa de Artur Jorge e Carlos Alberto Silva, voltando em 1993 à Rep. Checa com dois campeonatos portugueses no bolso. 

Vlk, o Lobo. É esse o significado do nome em checo e é esse o motivo para todo o balneário do FC Porto uivar à sua chegada. Momentos íntimos de um grupo conquistador. 

Vlk desapareceu dos radares nacionais e aos 55 anos continua a trabalhar no futebol profissional. Depois de voltar ao Vitkovice, um dos adversários do FC Porto na célebre campanha europeia de 1987, estabeleceu-se no MFK Karvina.
 

Uma conversa com direito a tradutor (tradutora, em bom rigor), ali entre o português, o checo e o inglês. Mais um regresso aos anos 90 no Maisfutebol.

VLK NO CAMPEONATO NACIONAL:

. 1990/1991: FC Porto, 9 jogos/3 golos (2º lugar)

. 1991/1992: FC Porto, 10 jogos/3 golos (campeão)

. 1992/1993: FC Porto, 11 jogos, 1 golo (campeão)

TROFÉUS: Duas vezes campeão nacional (1991/1992 e 1992/1993), uma Taça de Portugal (1990/1991) e uma Supertaça (1991)

Vlk na final da Taça de Portugal em 1991

Maisfutebol – Bom dia, Vlk. O que faz atualmente aí na Rep. Checa?

Lubomir Vlk – Sou diretor desportivo do MFK Karvina há seis temporadas. Cheguei a treinar algumas equipas e sempre que um treinador é despedido aqui no clube sou eu que assumo. Mas prefiro este trabalho de gabinete. Estamos na primeira divisão, a lutar pela manutenção.

MF – Gosta de ser dirigente ou preferia viver ainda nos seus tempos de lateral esquerdo?

LV – Encontro momentos de prazer nas duas funções mas, se pudesse escolher, hoje em dia ainda seria futebolista. É pena as minhas pernas já não darem para mais (risos).

MF – Mantém contacto com algum dos antigos colegas no FC Porto?

LV – Quando saí do FC Porto ainda estive várias vezes com o Emil Kostadinov e o Ion Timofte. Falávamos muito sobre o futebol e as nossas famílias. Infelizmente, nos últimos anos perdemos esse contacto.

MF – Agora é muito raro ter um jogador checo na liga portuguesa. Porquê?

LV – Já pensei nisso muitas vezes e não tenho uma grande explicação. O nível do campeonato checo baixou de nível, talvez seja por isso. Gostava de ter aí mais compatriotas meus. [o Sp. Braga tem um guarda-redes checo nos sub-19, Lukas Hornicek].

MF – 1990 foi um ano marcante para si. Transferiu-se para o FC Porto e esteve nos pré-convocados da Checoslováquia para o Mundial. O que se passou para não ir ao Itália-90?

LV – Tive uma lesão gravíssima. Falhei o Campeonato do Mundo e estive dez meses sem jogar. O FC Porto contratou-me quando eu já estava lesionado no Vitkovice e não me posso esquecer disso. Os meus primeiros meses em Portugal foram desesperantes. Não conhecia ninguém, não podia jogar, não falava português nem inglês… Eu já era casado e tinha um filho. Agarrei-me à família para aguentar. Só fiquei bem quando pude voltar a jogar. Tenho de agradecer publicamente a um grande homem tudo o que fez por mim.

VÍDEO: o primeiro golo de Vlk nas Antas (1m10s, imagens RTP)

MF – Quem é esse grande homem?

LV – Rodolfo Moura [antigo fisioterapeuta do FC Porto]. Era um tipo especial, estava sempre disponível para ajudar, de dia e de noite. Nunca mais encontrei um profissional assim, com essa disponibilidade total.

MF – Como era para um homem da antiga Checoslováquia viver no Porto em 1990?

LV – Uma loucura, era um mundo completamente diferente. Quando soube que podíamos andar na rua até às dez ou onze da noite, percebi que tinha escolhido o país certo. Quem ler isto vai rir-se, talvez, mas as pessoas têm de saber que o meu país era uma ditadura comunista, de partido único. Só no fim de 1989 [Revolução de Veludo] é que a democracia chegou. Por isso, viver no Porto e em completa liberdade… cafés cheios, restaurantes bonitos, gente alegre. Fantástico.

MF – Visitou o Porto nos últimos anos?

LV – Fui aí só uma vez depois de sair do clube. O ano passado tive tudo marcado para visitar Portugal, mas em cima da hora tive um imprevisto. Mas em 2020 de certeza que vou aí e quero dar um abraço ao presidente Pinto da Costa.

MF – 26 anos depois de o Vlk sair do clube, ele ainda é o presidente.

LV – É eterno (risos). Eu sei disso porque sigo a vida do clube. Vejo alguns jogos e as conferências de imprensa. A liga portuguesa passa aqui num canal checo, mas vejo sobretudo as partidas da Liga dos Campeões e da Liga Europa.

MF – Fez 42 jogos com a camisola do FC Porto. Consegue escolher a melhor exibição?

LV – Devia ter jogado muito mais, mas as lesões não deixaram. Mas há dois jogos que recordo muito bem. Na minha segunda época fiz uma grande exibição em casa do Sporting [19 de janeiro de 1992, vitória por 2-0, golos de Kostadinov e Bandeirinha] e acho que também estive muito bem no Estádio da Luz, para a Taça de Portugal [27 de janeiro de 1993]. Perdemos por 2-0, estavam mais de 100 mil pessoas, ambiente espetacular.

MF – Apesar das lesões, marcou sete golos pelo FC Porto. Para um defesa é bom.

LV – Na Checoslováquia, com o Vitkovice, atacava muito e era forte nas bolas paradas. Aproveitava bem esses lances. No FC Porto foi um bocado assim. O Artur Jorge queria-me sempre na área adversária para os cantos e para os livres. Adivinhava bem essas jogadas. Podia ter marcado mais golos, não fossem as lesões.

Dois momentos de Vlk ao serviço do FC Porto

MF – Já falou duas vezes sobre lesões. Foram o maior problema no FC Porto?

LV – Sim, tenho a certeza absoluta. Nunca apresentei no FC Porto o nível que tinha na Checoslováquia e que me levou à seleção [11 internacionalizações, dois golos]. É uma mágoa minha, porque o FC Porto sempre me tratou bem e apostou em mim num período delicado.

MF – É verdade que foi uma aposta pessoal do treinador Artur Jorge?

LV – Sim, sim, o Artur lembrava-se de mim dos jogos contra o FC Porto em 1986. Ninguém se deve lembrar, mas eu fiz os dois jogos do Vitkovice contra o Porto na época em que o Porto foi campeão da Europa em Viena. O Artur Jorge fixou o meu nome, acho que gostou muito de mim. Quatro anos depois, contratou-me.

MF – Gostou mais de trabalhar com o Artur do que com o Carlos Alberto Silva?

LV – Nunca tive problemas com nenhum deles. Posso dizer que tive uma relação mais próxima com o Artur e uma relação mais profissional com o Carlos.

MF – O Vlk foi contratado para ser o sucessor do Branco. Foi uma pressão grande?

LV – O Branco saiu ainda no início da época para Itália e a ideia do Artur Jorge era colocar-me no lugar dele, sim. Acabou por não correr bem, porque lesionei-me muitas vezes. A verdade é que nunca me aproximei do nível do Branco, um lateral fantástico, fantástico.

MF – Ainda assim, o Vlk foi duas vezes campeão de Portugal com o FC Porto.

LV – E assisti a cenas fantásticas. Chegar a uma praça num autocarro, ver o centro da cidade cheio de gente aos berros, beber cerveja sem problemas, tudo isso é inesquecível. Na Checoslováquia ganhávamos um troféu e íamos a um restaurante jantar juntos. Só isso. No FC Porto sabiam como festejar (risos).

MF – Quem era o colega mais brincalhão, o que festejava mais?

LV – Fernando Couto! Essa resposta é fácil.

MF – Dava-se bem com o Fernando?

LV – Muito, ele era um brincalhão. Estava sempre a pregar partidas. Uma vez cheguei ao balneário, tomei duche e vesti-me. Começou toda a gente a rir-se e percebi que as minhas calças de ganga estavam todas rasgadas na zona do rabo. O Fernando pegou numa tesoura e cortou-as. Ele era assim, não parava de brincar.

MF – A atmosfera no balneário do FC Porto era boa nessa altura?

LV – Quando os treinadores não estavam, sim. Brincávamos muito, combinávamos almoços, a malta era impecável. Mas quando entrava o Artur Jorge, ou o Carlos Alberto Silva, não se ouvia uma mosca. Eram dois treinadores disciplinadores, duros.

Vlk é o atual diretor desportivo do MFK Karvina

MF – Ficou três anos no FC Porto e voltou com 29 anos à Checoslováquia. Foi o Vlk que quis sair de Portugal?

LV – O meu contrato era válido por três anos e cumpri-o até ao fim. Em 1993 falei com o clube, disse-lhes que o meu segundo filho ia nascer e concordámos que o melhor era não renovar. Quis que o meu segundo filho nascesse na Rep. Checa.

MF – Temos de falar do antigo Estádio das Antas. O ambiente lá era bom?

LV – Agora é melhor, no Dragão. É assim que se chama, não é? Vejo na televisão e é mais bonito e espetacular, está sempre cheio. Quando enchíamos as Antas, sim, era memorável. Contra o Boavista, o Sporting e o Benfica. Mas nos jogos mais pequenos, com 25/30 mil pessoas, não era tão bom como eu imaginava. O estádio parecia demasiado grande nesses jogos.

MF – É verdade que Vlk significa ‘lobo’ em checo?

LV – Sim, é verdade.

MF – Os colegas do FC Porto sabiam disso?

LV – Sabiam, sabiam (risos). Aliás, todos me tratavam por lobo e uivavam quando eu entrava no balneário. Grandes malucos. Tenho muitas saudades desses tempos, a malta era espetacular.

MF – Dessa malta toda, quem era o seu amigo mais próximo?

LV – O Aloísio, um grande senhor. Nunca o vi chateado com ninguém. Mas também me dava muito bem com o Vitor Baía, o André, o João Pinto e o senhor Domigos Pereira, que era funcionário do clube. Mande um grande abraço a esse pessoal.

VÍDEO: o último golo de Vlk no FC Porto (50s, imagens RTP)

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