Chegar perto do inferno, por culpa própria. Entrar nele com um forte empurrão da arbitragem. Voltar a sair, na meia hora final, inteiramente à custa de garra, talento e mérito. Foi este o filme de um jogo em que Portugal chegou a bater no fundo, mas redescobriu virtudes depois de ter sofrido um golo irregular. E, após forçar a igualdade numérica, a seleção acabou por cima, consumando uma reviravolta saborosa e muito importante (4-2).

No meio da tempestade do Windsor Park emergiu um líder e também uma estrela. Cristiano Ronaldo provou que os dois estatutos não são incompatíveis e, ao assinar o primeiro hat-trick com a camisola das quinas, manteve Portugal no rumo do apuramento para o Mundial. Falta ver se de forma direta - e para isso ainda é preciso que a Rússia escorregue - se através do já habitual play-off.

A viver uma semana difícil, praticamente sem treinar, Ronaldo passou ao lado do jogo na primeira parte, mas foi capaz de se mostrar ao seu melhor nível no momento decisivo, assinando os três golos que deram a vitória a Portugal e conquistaram os aplausos dos irlandeses, que só então desistiram dos gritos por Messi.

Paulo Bento apresentou um onze sem surpresas, se considerarmos natural o regresso de Bruno Alves à titularidade, para fazer valer a sua qualidade no jogo aéreo, ao lado de Pepe. E foi o central do Fenerbahçe a deixar os primeiros avisos aos irlandeses, na sequência de dois lances de bola parada. O primeiro (16 minutos) saiu ao lado, o segundo (aos 20) abriu mesmo o marcador, graças a um remate em vólei após canto na direita.

Mas, tal como em Israel, o golo madrugador não tranquilizou a equipa, que sem conseguir assentar o jogo a meio-campo, entrou no futebol de combate e duelos físicos com a equipa de verde. Aos 36 minutos, e após dois ou três cantos de aflição, o gigante McAuley bateu Patrício, perante a comprometedora passividade da defesa lusa.

Portugal acusou o golpe e Postiga, enervado por algumas faltas não assinaladas, chamou a atenção do árbitro, encostando a cabeça ao gigante McAuley, depois de uma discussão ríspida a meio-campo. O holandês Makkelie, de apenas 30 anos, teve aí o primeiro pretexto para mostrar o seu gatilho fácil: vermelho direto para um lance escusado, mas que pelos padrões habituais não mereceria mais do que amarelo. Portugal ia para as cabinas com um homem a menos e com os nervos em franja.

Na segunda parte, a chuva subiu de intensidade e Portugal deu sinais de afundar-se. Tanto mais que, aos 52 minutos, após mais um canto, Ward, em claro fora de jogo, desviou uma cabeçada de Evans para o fundo da baliza. Portugal via-se a perder, e não parecia capaz de encontrar a saída do inferno.

Já com Nani em campo, porém, Brunt teve uma entrada dura sobre João Pereira, para ver o segundo amarelo. Faltava meia hora e esse lance foi o tiro de partida para o segundo fôlego de Portugal. Aos 68 minutos, perante uma Irlanda do Norte a perder forças, Ronaldo embalou para a noite de glória, cabeceando um canto de Moutinho.

Sentia-se que a reviravolta era uma questão de tempo e, em estado de graça, o capitão de Portugal foi novamente o rei das alturas para fazer o 3-2, após bom cruzamento de Coentrão na esquerda, e beneficiando da «cortina» do recém-entrado Nélson Oliveira. O jogo era louco, mas já não tinha caminho de volta, até porque o recém-entrado Lafferty, com uma entrada bárbara sobre João Pereira fez com que Portugal acabasse o jogo com mais um.

A apoteose chegou a sete minutos do fim, num livre direto de Ronaldo bem trabalhado pela barreira. Pouco depois, o capitão saía para os aplausos, depois de ter chegado aos 43 golos na seleção, ultrapassando o registo de Eusébio. Apesar dos erros e do sofrimento, Portugal deixou Belfast com o moral reforçado.