«CHUTEIRAS PRETAS» é um espaço de Opinião do jornalista Pedro Jorge da Cunha. Um olhar assumidamente ingénuo sobre o fenómeno do futebol. Às segundas-feiras, de quinze em quinze dias. Pode seguir o autor no Twitter. Calce as «CHUTEIRAS PRETAS».

Há alcateias de propagandistas, uma vara de cartilheiros e piratas de SADs vestidos de fato, gravata e colarinho branco. Gente cujo menor dos interesses é o triunfo do futebol. A esses, tipos de coluna maleável e convicções gelatinosas, só o beijo do poder e a bênção do padrinho apoquenta.

Os pilantras querem estar em todo o lado. Agora, triste sina, rasgaram em pedaços a história bonita e longa do Clube Desportivo das Aves. Não se importam com os futebolistas, os treinadores e os adeptos que estão sempre lá, enquanto os farsolas entram e saem. Foram eles, sim os adeptos, que fizeram 600 quilómetros até Portimão, mesmo com as bancadas fechadas e a equipa já despromovida.

É este o futebol que me interessa, porque o futebol é maravilhoso quando só é futebol.

O futebol é extraordinário quando vejo o conto de fadas do Leeds United e um ator de Game of Thrones a entregar o coração e a alma à loucura de don Bielsa.

O futebol é também fantástico quando coloca Paco Fortes em lágrimas e a beber champanhe, enquanto saboreia numa golada o regresso do seu Sp. Farense ao escalão maior.

Este futebol, o futebol que amo, é comovente e belo quando manda para as ruas a cidade de Cádiz e a cidade sobrevive, mesmo que o clube perca e só suba no dia a seguir.

O futebol, maravilhoso não é? Quando vemos o icónico Lucas Radebe a falar sobre o Leeds a partir da África do Sul, quando vemos um adepto propor-se a fazer 1000 quilómetros por amor ao seu clube, quando temos as cidades de Vila do Conde e de Famalicão prontas a abençoar os seus heróis, mesmo que só uma tenha podido ganhar.

O lado bom da bola. Existe, pois claro. Quando Bruno Fernandes e Ricardo Pereira telefonam para saber como podem ajudar o Desportivo das Aves ou quando um miúdo do Benfica estreia-se no campeonato e marca dois golos em oito minutos.

E o que dizer dos sonhos cumpridos das «crianças» do FC Porto? Diogo Costa, Diogo Leite, Tomás Esteves, Vítor Ferreira, Romário Baró, Fábio Vieira, Fábio Silva e João Mário, vencedores da UEFA Youth League em 2019 e campeões nacionais em 2020.

O futebol é maravilhoso quando só é futebol. Palco para todas as emoções, para o suspense e o coração que só por sua causa é capaz de bater mais depressa. O que sentirá o adepto que festeja nos descontos o golo que o leva à Europa e que logo a seguir sofre o empate e um banho de realidade?

É disto que precisamos, é isto que queremos. A SIC anunciou o fim dos programas com a participação de comentadores afetos aos três grandes e queixa-se da «toxicidade» que o modelo leva à modalidade. A ideia é boa, mas não podemos ser ingénuos e achar que tudo vai ficar bem. Os abutres continuarão à solta, noutro céu qualquer.

Gostava de acreditar que isso é o primeiro passo para roubar o futebol das mãos dos departamentos de comunicação dos clubes e devolvê-lo a quem melhor o trata. Lamento, ainda não consigo.

O problema é profundo, generalizado e grave. Só um acordo alargado – Liga, FPF, demais órgãos de comunicação social – poderá devolver qualidade e dignidade aos espaços de comentário/análise futebolística. Por ora, agarremo-nos a contos soltos, a maravilhas saídas do realismo mágico de um campo de futebol, aos feitos improváveis e heroicos.

A identidade da instituição, o emblema, o equipamento, o estádio, o craque do poster lá de casa. Há mais alguma coisa a importar além disto?

«CHUTEIRAS PRETAS» é um espaço de Opinião do jornalista Pedro Jorge da Cunha. Um olhar assumidamente ingénuo sobre o fenómeno do futebol. Às segundas-feiras, de quinze em quinze dias. Pode seguir o autor no Twitter. Calce as «CHUTEIRAS PRETAS».