A memória é a memória, a nossa vénia para ela. Sobretudo a memória que vem lá de longe. Herdada da infância. Guardada com a ternura de um coração inocente.
Ora para uma certa geração, que como eu nasceu nos últimos anos da década de setenta, há uma memória do Benfica.
O Benfica das grandes glórias. O Benfica de duas finais dos Campeões. O Benfica de Bento, Nené, Mozer, Carlos Manuel, Thern e Valdo.
O Benfica que ganhava, enfim.
É essa memória que eu guardo com a sensibilidade e o carinho de tantos novos trintões.
Ou tento, pelo menos. Cada vez com mais dificuldade. O Benfica, ele próprio, insensível e grosseiro, não me deixa. E é isso que me irrita.
Ver o Benfica ganhar é uma ofensa à memória de uma geração.
É como se víssemos os manos Castro correr o Crosse das Amendoeiras, a Helena Laureano ser Miss Portugal, os Gemini ganhar o Festival da Cancão e o Torres Couto liderar uma manifestação.
Ver o Benfica ganhar é querer jogar computador e não poder. É meter uma cassete no Spectrum ZX 48k, rodar a chave de fendas à procura do sinal e não conseguir que o jogo carregue.
É estar aflitinhos numa emergência e ligar para o 115.
Ver o Benfica ganhar é assistir à vitória de Águeda nos Jogos sem Fronteiras. É ver Anthímio de Azevedo apresentar a meteorologia e o Eng. Sousa Veloso o TV Rural. No Canal 1 e no Canal 2.
É fazer birra para ver «Modelo e Detective».
É ser obrigado a comer a sopa, dormir a sesta e ir cedo para a cama.
É coleccionar cromos da Panini, chiclas da Gorila, petazetas e a bota botilde.
É querer, enfim, destruir o mundo e não o poder pela razão mais parva: porque não me deixam.
É essa memória que vive ao lado do Benfica vencedor. É essa memória que Jorge Jesus ameaça destruir de uma forma que nem Trapattoni conseguiu fazer.
Por isso, desde já e com a antecedência necessária, lavro o meu firme protesto.
Tenho dito. Com licença.
«Box-to-box» é um espaço de opinião da autoria de Sérgio Pereira, jornalista do Maisfutebol, que escreve aqui todas as quintas-feiras
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