«A partir de hoje nada será igual». Entre frases de protesto, muitos quilómetros de estrada nos (600) autocarros e mais alguns percorridos a pé entre o Marquês de Pombal e o Terreiro do Paço, este foi o sentimento dos cerca de cem mil professores que marcharam indignados contra a política de educação do actual Governo.

«Nunca nenhum sector em Portugal conseguiu juntar tanta gente num só protesto. Estiveram presentes mais de dois terços dos docentes nesta marcha, pelo que tivemos uma maioria bem maior do que o Governo. Uma maioria qualificada, que demonstra também a força dos sindicatos. Os professores estão contra esta equipa ministerial, que não tem outra saída senão abandonar os seus cargos», confessou o presidente da Fenprof, Mário Nogueira. Instantes antes tinha discursado para uma Praça repleta e viria a fazê-lo trinta minutos depois, quando chegou a ultima leva ao local, capaz de voltar a preencher o recinto.

«Impressionante», «nunca visto» ou «é a primeira vez que estou a protestar» foram expressões usadas com frequência pelos professores que iam passando pelas principais artérias da Baixa lisboeta. «O que é que se passa?», questionava um casal de turistas belga, curiosamente professores, que assistiam espantados a um cortejo que durou mais de cinco horas. «Ah, também nós lutámos muito pelos nossos direitos. Continuem», respondiam.

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Desde bem cedo que se sentiu um espírito diferente. De todo o lado surgiam professores com vontade de se juntar ao protesto. De Bragança saiu-se era quase noite, do Porto foram dezenas e dezenas de autocarros, de Viseu também, de Aveiro, Coimbra, Leiria, sempre a descer, numa caravana que se ia encontrando pelo caminho, nas estações de serviço. Seria uma romaria? Estavam todos de luto: «parece que vamos para o funeral de alguém». Da ministra? «Esperemos que sim», respondiam amiúde.

Sinal de mudança

Nem todos os autocarros eram organizados por sindicatos e nem toda a gente viajou de autocarro. À chegada a Lisboa, os reencontros. «Vim ontem»; «vim de comboio»; «viemos de carro, porque ficamos cá no fim-de-semana». Tantas frases e a mesma certeza, cantada em uníssono: «Está na hora, está na hora, da ministra ir embora». Foi o «hit» da Marcha, sobrepondo-se a todas as outras alternativas debitadas pelos megafones da manifestação.

Pelo caminho, no trajecto que começou no Marquês, passou pela Avenida da Liberdade, Restauradores e Rossio e só parou no Terreiro do Paço, surgiram caras conhecidas, como ex-secretários-gerais da Fenprof ou da FNE, para além de António Filipe e Bernardino Soares, do PCP, Francisco Louçã, do Bloco, e Garcia Pereira, do PCTP/MRPP.

Da esquerda, ninguém faltou e até Manuel Alegre deixou uma mensagem, aos microfones da RTP: «Tem de terminar o ambiente de crispação, é preciso ouvir as pessoas, perceber as suas indignações. Existem novas formas de exercer a cidadania, que são um sinal do fim de uma fase iniciada no 25 de Abril. Nenhum aparelho político tem esta força».

No fim de um dia cheio, o orgulho estava estampado no rosto dos professores. Nas áreas de serviço de regresso a casa ou mesmo dentro dos autocarros, o comentário era unânime: «Não estávamos à espera que fosse tanta gente. Estamos unidos e ninguém nos pode parar». Bem, isto enquanto a ministra não dizia que continuaria sem mudar. «Se calhar não valeu de nada», desabafavam alguns, enquanto outros já comentavam as iniciativas que se seguem. A luta não vai ficar por aqui.