Coloquem lá a vossa voz de senhora do anúncio do Continente e leiam isto: no meu tempo não havia Clássicos.

Admito que ganhar ao 5º D dava um gozo especial. Tinham muitos repetentes, eram maiores e perdíamos quase sempre. Mas a entrega era a mesma, fosse contra o 5º D, o 5º A ou num «nós os três contra vocês todos e começamos a perder 3-0».

Não havia aquecimento, não havia tática, mas havia suor. Sempre. E umas calças rasgadas no joelho, de vez em quando. O nosso Clássico era o dia a dia. O Clássico deles, o verdadeiro, é capaz de ser um bocado mais especial.

O Clássico a sério tem data mas não tem tempo. Começa muito antes, acaba muito depois. Mete apostas, provocações, minis e bifanas. Mete nervos, muitos. E é de todos, o que é bom.

O Clássico é plural. É para mim e para ti. É para o Jesus, para o Vítor Pereira, para o Mourinho, para o Toni. Para os onze que jogam, para as centenas que já jogaram, para os milhares que vêem.

É para todo o corpo. Para o pé esquerdo do Hulk, para o pé direito do Simão. É para a cabeça do Costinha e para o braço do Preudhomme. Não é para a perna do Anderson que o Katsouranis não deixa. Nem para as mãos do Nuno, porque a bola às vezes escorrega.

Mas é grande, na mesma, o Clássico. Tão grande que junta uma trivela do Quaresma, um míssil do Carlos Martins, um calcanhar do Falcao e um arco perfeito do Bruno Basto. Tão grande que chega para Bruno Moraes e Laurent Robert.

É história, mas menos. Já era com Eusébio, Oliveira ou Chalana, mas agora é mais azul e mais vermelho.

O Clássico também é erro. É Rentería de mãos na cabeça, é David Luiz vergado. E é dureza. É Paulinho Santos e João Pinto. É cotovelo e pontapé.

Clássico é um telefonema para o César Brito, um prognóstico do João Pinto, uma bicada do Villas-Boas ou um n'est pas penalty do Yebda. É um grito de euforia, um cântico de apoio, uma tarja iluminada. É uma bandeira e um cachecol. Um Filhos do Dragão e um Sou Benfica.

E é o mesmo. Nas Antas, na Luz, no Dragão. No Algarve, no Jamor. Com luz acesa ou às escuras. No norte ou no sul. No café onde se vê nitidamente que o remate do Petit entrou mesmo e no bar onde não há dúvidas que nem perto da linha ficou.

O Clássico vem de dentro. Do peito. Não do peito do Lucho para o autogolo do empate, nem do peito do Miguel para o Derlei faturar. Vem daquele lugar onde se escondem os sentimentos. Porque é isso que é o Clássico.

É futebol. Puro e duro. É paixão, adrenalina, nervos. Querer entrar e marcar. Querer gritar, até chorar.

Se calhar, mais vale citar Jardel: Clássico é Clássico. E vice-versa.

No sábado vem aí um dos bons. Aproveitem.

«Cartão de Memória» é um espaço de recordação acerca dos mais míticos jogos do século XXI. A ordem reflete apenas a vontade do autor. Pode sugerir-lhe outros momentos através do Twitter.