Um derby é um derby. (Atenção, se quiser ler à frente de um cidadão inglês sem correr o risco de ser insultado, deve trocar o «e» por um «a»: [dár-bi]). As teorias da origem da palavra são muitas e, tantos séculos depois, há apenas uma certeza: tudo aconteceu em Derbyshire County. Mas aí ficou o nome e desapareceu o conteúdo. No futebol inglês, não há derbies em Derby, sobretudo desde que Derby County e... Derby Midland uniram forças e recursos. O Nottingham Forest, da cidade vizinha, é o mais parecido que há com um rival.

Pelo resto do mundo, nasceram, cresceram e serão eternos. As quatro vezes que a Premier escocesa coloca pela frente os católicos do Celtic e os protestantes do Rangers não vulgarizou o Old Firm. Em Glasgow joga-se muito mais do que futebol, cada golo é uma afirmação religiosa e social. A sul, o Boca-River na Bombonera ou no El Monumental foi chamado Superclásico tal a intensidade dos jogos entre os clubes, que representam classes sociais opostas: os bosteros, chamados assim porque La Boca ficava sempre muito suja pelas charrettes movidas a cavalo, e os millionarios, alcunha dada quando River era o mais rico das Pampas.

O «Fla-Flu» dá entrada a mais de cem mil no Maracanã, numa rivalidade nascida há quase um século, quando jogadores insatisfeitos do Fluminense fundaram a secção de futebol do Flamengo. Na Dinamarca, os derbies são batalhas. A Batalha da Jutland, que opõe Aalborg e Aarhus, é apenas um exemplo. Ainda na terra de Andersen, o Copenhaga-Brondby recebeu o nome de New Firm, numa alusão ao Old Firm escocês. O fanatismo dos gregos incendeia anualmente o Panathinakos-AEK. Milan-Inter, Roma-Lazio, Juventus-Torino e Génova-Sampdoria são exemplos de que um estádio em comum - o Torino mudou-se para o Olímpico em 2006/07 e antes do DelAlpi já tinha dividido com a «Juve» o Comunale - e adeptos fanáticos podem fazer coexistir inimigos ancestrais e poderosos na mesma cidade.

Na Sérvia, o Partizan-Estrela Vermelha coloca em sentido 82 por cento da população e não escapa à violência. Mais seguros, apesar do significado político, são o Real-Atlético e o Barcelona-Espanhol. Na Catalunha, ser culé significa ser e pensar catalão, enquanto os de Montjuic cantam o hino espanhol. Mas é preciso voltar ao outro lado do Atlântico para encontrarmos o jogo com mais anos de história fora da Grã-Bretanha. Em Montevideu, Uruguai, o Peñarol-Nacional também é Superclásico.

Em Portugal, há o Benfica-Sporting e nenhum outro derby fica perto. Há sempre uma história diferente. Porque se joga a honra, porque se defende a imagem, porque os olhos de milhões estão em cima de jogadores, treinadores e dirigentes. Qualquer golo ou erro toma proporções bem maiores do que o normal. Ainda mais do que em todos os outros encontros, o árbitro não é um juiz, mas sim réu, já condenado antes de decidir. Já jogadores e treinadores ainda têm o benefício da dúvida, até prova em contrário. Todos querem jogá-lo (vê-lo, e apitá-lo também) e sujeitar-se ao risco. Mesmo que uma vida possa mudar com uma decisão. Resta esperar que seja acertada.

A verdade é que aos adeptos só interessam os números. Por quanto se ganhou e quanto da frustração de um mau resultado se pode despejar em cima do árbitro. Um penalty ou dois, um fora-de-jogo. Tudo não passa de uma guerra tribal. Quando não usam argumentos mais violentos ainda no estádio, dividem-se em trocas de palavras que não pretendem chegar a lado nenhum. Um jornal desportivo debaixo do braço, a camisola do clube retirada ao mofo do armário na manhã seguinte, o pedido em letras gordas de um café. O sorriso mordido no canto da boca e depois, a explosão, como um disparo fulminante: «Então o jogo de ontem, hein?»

«Era capaz de viver na Bombonera» é um espaço de opinião de Luís Mateus, editor do Maisfutebol, que escreve aqui todas as semanas.