Não é o hino oficial da FIFA, mas também não precisa. É mais do que um hino e mais do que uma música apenas. É um pedaço de história com vista para um futuro melhor. É um pedaço da alma africana onde cabe todo o espírito do Mundial 2010.

Fala-se aqui, leitor, da Waving Flag, de K'naan. Provavelmente já conhece a música: acompanha os anúncios da Coca-Cola. Foi aliás a música oficial do World Trophy Tour (o périplo da taça do mundo por vários países) também ele patrocinado pela Coca-Cola.

Ora com isso já escrevi duas vezes a palavra Coca-Cola. Três, aliás. Não faz mal.

Já me explico. Antes disso, só um bocadinho de história: K'naan é um cantor somali, que saiu do país com 13 anos para fugir à guerra civil. Mudou-se com a mãe para Nova Iorque e mais tarde para Toronto, onde se estabeleceu em definitivo.

Para trás deixou uma realidade cruel. Ele próprio conta, aliás, um episódio sintomático: estava a jogar à bola na rua com mais três amigos, quando o bairro foi atacado por rebeldes. No meio do tiroteio só ele sobreviveu. Os três amigos morreram.

K'naan tornou-se então um activista dos direitos dos somalis. A música Waving Flag fala disso mesmo. Fala de «um duro sobrevivente», que não aceita derrotas nem pode render-se, que luta para comer e que se pergunta quando será livre.

Fala da luta contra a guerra, contra demasiadas guerras, aliás, fala da gente que entra nas batalhas dos outros e que cada dia fica mais pobre. «Quando for mais velho, serei mais forte, chamar-me-ão liberdade, como uma bandeira ao vento», canta.

No fundo canta a dor do continente africano. Ou antes, cantava. Agora canta mais do que isso. Canta também a festa do Mundial, canta a esperança num futuro melhor. A música foi adaptada, fez-se uma nova versão e chamou-se-lhe «Celebration Mix».

Onde antes estavam lamentos de guerra e pobreza, está agora a exaltação da festa e do jogo bonito. «Dá-me liberdade, dá-me fogo, dá-me um motivo, faz-me melhor», canta. «A celebração está ao nosso redor, todas as nações em torno de nós.»

O refrão permaneceu igual, mas só isso permaneceu igual. «Quando for mais velho, serei mais forte, chamar-me-ão liberdade, como uma bandeira ao vento.» Embrulhado num ritmo mais alegre, mais contagiante, o grito parece mais esperançoso.

No fundo é disso que se trata: um rasgo de esperança para África. É claro que o Mundial vai passar e as guerras civis vão provavelmente continuar a roubar vidas inocentes. A paz é um sonho difícil. Mas África precisa de sonhos difíceis.

Veja a versão do Mundial:



Veja a versão original:



«Box-to-box» é um espaço de opinião da autoria de Sérgio Pereira, jornalista do Maisfutebol, que escreve aqui regularmente