A diferença entre Messi e Ronaldo foi exposta em toda a sua dimensão por um jornalista inglês no The Independent: se Ronaldo tivesse nascido neozelandês, seria um grande jogador de râguebi. Messi não. Messi só podia mesmo ser grande no futebol.

No fundo é também a diferença entre Maradona e Pelé. Não custa imaginar como o brasileiro seria um craque de futebol americano, se o Criador o tivesse feito um bocadinho menos mineiro. Ou até descendente de mineiros, sim, mas nascido no Bronx.

No fundo ainda, e prometo que a partir de agora é sempre a subir, é também por isso que sentimos um fascínio particular por Messi ou Maradona. São seres imperfeitos sem a bola. Com ela nos pés, tornam-se num daqueles sonhos que não nos deixam dormir.

Ronaldo ou Pelé não nasceram para jogar futebol. Nasceram para arrasar: no futebol, no râguebi, no atletismo, no voleibol. Bastava quererem, claro. Tinham a velocidade, a explosão, a impulsão, tinham tudo arrumadinho dentro de proporções irrazoáveis.

Messi e Maradona não, violão. Maradona por exemplo. Na melhor das hipóteses poderia ser um fundista e no mais feliz dos cenários um fundista mediano. Incapaz, certamente, de terminar um Crosse das Amendoeiras à frente dos manos Castro.

Sem a bola de futebol por perto, portanto, colada no pé esquerdo, por atalhos que nos fogem das mãos, Messi e Maradona teriam sido apenas dois jovens. Com dificuldades de crescimento e com uma tendência acentuada para ganhar peso, respectivamente.

Por essas e por outras é que prefiro o futebol deles, ao futebol dos outros. Um pouco como quase todos nós, aliás. Por essas e por outras é que Messi e Maradona têm lugar num panteão à parte. O que não significa que seja o mesmo panteão: não é.

Não é para já. Não é por uma razão muito simples: não conheço ninguém, e desafio a acusar-se o primeiro, que se tenha ofuscado com o brilho de Messi fora de Barcelona. Maradona brilhou no Barça, sim, mas também no Nápoles ou na selecção argentina.

Messi, por outro lado, tudo que o fez foi dentro da máquina perfeita do Barcelona, numa harmonia colectiva irrepreensível, capaz até de fazer de Brian Deane um jogador tecnicista (ou vá lá, como uma técnica bastante razoável, para os mais cépticos).

Ora depois de uma noite apenas humana, a pergunta: pode a aura de Messi tornar-se mítica do tamanho que a de Maradona tem? Pode, mas falta-lhe algo. Falta-lhe mostrar que as noites apenas humanas são uma excepção também fora do Barcelona.

No Mundial da África do Sul, por exemplo. Ou não. Pode consegui-lo em qualquer outra equipa, em qualquer outro Mundial, em qualquer outro campeonato. Mas tem de consegui-lo. Deve isso a ele próprio. Só para nos convencer.

«Box-to-box» é um espaço de opinião da autoria de Sérgio Pereira, jornalista do Maisfutebol, que escreve aqui regularmente