Não gozes comigo, Roberto! Nunca deixaria que fosses um post scriptum de um texto. Corre para a bola e chuta com toda a tua força, com as ganas que assimilaste em Espanha, com a obsessão que te emprestaram os turcos. Pensa que é o butterhands Barthez e dá-lhe com meio pé, enrola-a até bater com tom de aviso no ferro e esgueirar-se para dentro, percorrendo as redes de um lado ao outro em lenta volta de honra, agradecendo a ovação de pé.

Faz isso e esqueço que sou português, esqueço que esse golo adia a qualificação do F.C. Porto, que a tua exibição não está a ser brilhante, que a pêra que hoje usas torna-te camaleão entre os Semih Şentürk da tua equipa. Acerta esse remate porque mereces. Foste grande como poucos! Talvez o melhor de sempre! Ainda que haja compatriotas teus, os mais velhos, que jurem, a bater no peito e de terço gasto entre os dedos, que ceptro e manto são e serão sempre da «Enciclopédia» Nilton Santos. Sim, há italianos que só têm olhos para Maldini e alemães que ainda lembram Breitner. Puff! Eles sabem lá o que dizem...

Marca esse golo! Tens 35 anos, é a última jogada do encontro, pode ser a última vez que te vejo correr de dedos apontados para o céu a sorrir, depois de mais um míssil decisivo. Lembra-te daquela impossibilidade matemática frente ao Tenerife, em quinta a fundo quase a esbarrar com os placares, e de tantos outros momentos de génio, monumentos que todos somados nunca chegaram para te eleger melhor do mundo. Não, não passes, o que vais tu fazer? Enganaste-me! Que força ainda, coitado desse lençol azul e branco à frente de Helton, quase é engolido à passagem do ciclone. Está a acabar¿ Acabou! Foi F.C. Porto que passou, com justiça, e só tenho pena de ti, Roberto!

É dia de La Pulga e da infestação culé em Alvalade, que nem precisa de acelerar para chegar à goleada. Os desesperados Polga e Caneira, incapazes de manter a compostura, atrapalham-se e acertam duas bolas na baliza errada. Messi, Henry e Bojan compõem a maior goleada sofrida pelo Sporting em sua casa e Veloso e Liedson apenas atenuam o peso de uma estrondosa lição de futebol. No Pireu, o Benfica deixa os olhos tombar até ao chão aos 38 segundos, avesso a actos de heroísmo, e joga encolhido, arrepiado pelo rufar dos tambores à volta do vulcão. Galletti e Diogo comandam o rolo compressor, e Quique fez eco do perdão que nasceu na boca de João Pinto, em Vigo, anos antes.

Os dragões regressam sorridentes na volta do Expresso do Oriente. Para trás fica a confusa Constantinopla, hoje Istambul, e a sensação de dever cumprido. Apurados e, sobretudo, esquecidos de terem desabado, semanas atrás, em Londres, como um bairro inteiro sincronizado a implodir. Já os rivais terão presentes as deles por mais algumas semanas, tão frescas que estão as humilhações.

Os três grandes cambaleiam feridos pela Europa, como se a distância entre gigantes e portugueses tivesse aumentado uns metros todos os anos desde que Mourinho levantou as duas Taças. E se não fosse por culpa dele... Os adeptos pensam que não. Que o seu é o maior clube do mundo, que Portugal ainda está na linha da frente, que as derrotas são acidentes, percalços, erros ocasionais. Que o campeonato que temos é ainda capaz de sustentar grandes equipas, alimentá-las em talento e consistência.

E, quanto a ti, Roberto, que te votaste ao esquecimento numa liga que só interessa aos turcos, só não te perdoo este último jogo, já que não te posso julgar por não teres vindo para cá. Devias-nos mais um golo magistral, devias-me outros três parágrafos de loucura para concluir este texto, uma despedida em grande para o melhor lateral-esquerdo que o mundo já viu. Não te perdoo!

«Era capaz de viver na Bombonera» é um espaço de opinião de Luís Mateus, editor do Maisfutebol, que escreve aqui todas as semanas.