Se o leitor puder, faça um exercício curioso: da próxima vez que vir um jogo do Barcelona, não siga a bola... siga Xavi.

Noventa minutos a olhar para aquele pequeno genial dão-nos toda uma nova perspectiva do futebol.

Xavi raramente está no centro do jogo, ele cria o centro do jogo. A forma como se movimenta denuncia aliás todo o espírito da equipa.

Frente ao Real Madrid, por exemplo, foi curioso ver como se adiantava em relação à bola para surgir entre as linhas dos meio-campo e do ataque, na primeira parte, e como recuava para trás da linha da bola, na segunda.

Ou seja: na primeira parte surgia a criar desequilíbrios ofensivos, na segunda preocupava-se sobretudo em oferecer linhas de passe seguras para circular a bola.

Estava tudo ali, numa movimentação elementar, na inteligência do posicionamento, numa capacidade rara de tornar o futebol uma coisa simples. Como ele era, no princípio.

Os companheiros procuravam-no insistentemente. Para as coisas simples ou complicadas, Xavi estava sempre lá. A tocar para o lado ou a abrir em profundidade.

Sabe, por exemplo, quantos passes deu Xavi no clássico? Eu digo-lhe: cento e onze. Sabe quantos errou? Um. Repito: um passe errado. Xavi entrou aliás cento e catorze vezes em jogo, perdeu quatro bolas, três das quais em situações de pressão e uma no tal passe errado.

Mas há mais: dos cento e dez passes certos, só vinte e quatro foram feitos para trás. Os restantes foram passes laterais ou para a frente.

Marcou um golo e inventou a jogada de outro golo, é certo que sim, mas foi sobretudo naqueles cento e dez passes certos que Xavi fez a diferença. Como sempre faz, aliás.

Por isso vale a pena olhar para ele durante aqueles tais noventa minutos que falava no início do texto. Noventa minutos que nos dão toda uma nova perspectiva do futebol, e algo mais do que isso: a certeza que o futebol não será o mesmo sem ele.

Mas também não será o mesmo depois dele. O legado de Xavi, acredito, vai muito além dos títulos.

Numa época de transformação rápida do jogo, que exige atletas rápidos e sobretudo fortes, Xavi devolveu o centro da atenção à capacidade de olhar, reflectir e orientar. As boas equipas podem continuar a render-se à força física. As grandes entregam-se à inteligência.

Com ele percebemos que o jogo não é só para os rápidos, nem só para os técnicos, muitos menos é só para os fortes. É para todos eles, sim, mas é sobretudo para os perspicazes. É esse legado que ele deixa.

Aos trinta anos, o que lhe falta, afinal? Só imortalizar esse legado.

Só a Bola de Ouro.

«Box-to-box» é um espaço de opinião da autoria de Sérgio Pereira, jornalista do Maisfutebol. Siga-o no twitter.