[Texto publicado pouco depois da meia-noite de sexta-feira]

O dia chegou há pouco ao fim. É de mim, ou vocês também acham que foram 24 horas esquisitas? Dormi pouco, por isso não erro assim tanto quando falo em 24 horas. O Ian McEwan tem um livro que começa com esse momento em que raramente existimos, apenas dormimos sobre uma almofada de nada. Até que um rasto de um avião em chamas no horizonte, avistado de uma janela durante a madrugada, muda a nossa vida.

A margem de erro deve ser de, para aí, duas horas, mais ou menos, entre as 4 e as 6, e essa é sempre uma altura esquisita, aconteça o que acontecer. Acordei, tomei banho, vesti-me rapidamente, com medo dos segundos, e falhei os mais previsíveis engarrafamentos. Na rotunda da bomba, tudo passou bizarramente fluido, sem os carros da esquerda a fingir estar à direita, sem dupla fila no espaço de uma, sem latas-velhas irritantes, de mil e poucos cc de cilindrada, incapazes de corresponder à subida íngreme, depois de terem falhado, por pouco, o embate com o lugar do pendura.

Cheguei à redacção mais cedo do que o normal (cinco ou dez minutos, chefe!) e um bigode despertou-me da letargia. Ainda não tinha ingerido uma gota de cafeína, juro. O arbusto de pêlos olhava-me nos olhos, embasbacado

- Pimbolim é matraquilhos, banco é caixa

Do meio do jornal, o ex-ex-seleccionador nacional, agora ex-treinador do Chelsea, ainda Felipão (acho...), pedia com aquela convicção inabalável: «Tudo menos empate no derby». Oi?! Ainda pensei que houvesse jogo grande na Premiership, mas não, Scolari não queria era mesmo ver o F.C. Porto fugir na tabela aqui em Portugal. Que bom para ele!

O nonsense empurrou o grande Braga europeu para a direita, uma ilha isolada pelo absurdo. O futuro do Sporting anda dependente de umas luvas made in Carachi, Paquistão; Moreira a armar-se em La Palisse, sublinhando que as dúvidas sobre a carreira deram-lhe mais força para voltar; o lateral-direito Sapunaru a ser dado como certo no lugar do lateral-direito Fucile no lado direito da defesa portista em Paços. Ao menos o jornal é de graça...

Horas depois, reparo que Sócrates (não o jogador, o outro!) elogia o aumento do número de operações aos olhos entre portugueses. Vou ao twitter twittar qualquer coisa de parvo sobre isto e a ligação à internet falha depois. É nesta parte em que faz todo o sentido a cena de «A Guerra dos Mundos» e de Tom Cruise, a olhar para cima, para o ataque de OVNIS ciclopes e extraterrestres em fúria. Faltar a net numa redacção de um site é como ser atropelado por uma ambulância. God!

Afinal, de repente, tudo parece ter sentido. Sem a indicação da estrela e dos reis magos, sem a manjedoura, o burro e a vaca (a estreia do documentário de Kusturica por cá conta como sinal?), o incenso, a mirra e as especiarias, nasce o filho de Aguero, o neto de Maradona

Y todo el pueblo cantó

Maradó, Maradó


Metade dos genes de Kun, metade dos do Pelusa. Ou um quarto, se a genética se dividir em partes iguais. Sabem o que hoje já não seria nada estranho? Apesar de Sérgio ser fantástico, e de poder vir a ser um dos melhores, se houver Deus e gostar de bola, o miúdo Benjamin deve ter mesmo nascido... com dois pés esquerdos.

Era capaz de viver na Bombonera» é um espaço de opinião de Luís Mateus, subdirector editorial do IOL, que escreve aqui todas as semanas. Siga-o no twitter.