Parece presa, emaranhada nos atacadores, mas, ao mesmo tempo, só ela gira. Apresenta-se, cumprimenta efusiva e passa aos restantes convidados, como qualquer anfitriã que se preze. Solta uma risada, por culpa das cócegas no nariz do último flûte de champanhe, bebido apressado e ainda ligeiramente entornado em cima do fraque de aluguer.

Vai e volta, rainha do baile, enquanto os outros dançarinos entrelaçam as mãos e erguem-nas aos céus, à espera do primeiro andamento da Sardana. Moltes gràcies, Sant Jordi! Moltes gràcies, Moreneta!, grita-se de Montjuic ao Tibidabo, com a cidade luminosa pelo meio. Agradece-se aos santos da Catalunha, aos velhos guardiães, e explode a festa nas Ramblas. E Colón, o tal que descobriu a América e teve mil nacionalidades sem proveito nos últimos séculos, dá a bênção. Mas do alto dos seus 60 metros aponta ainda para o mar, ambicioso. O Barça conquistou Espanha e a Europa. Mas o seu futebol mágico merece o mundo!

Janeiro trará novo imperador. Com ceptro e manto a brilhar, trono acabado de polir, coroa recheada de rubis e diamantes. Poucos terão dúvidas de que será Messi aquele que mais vezes encontrará nela o seu reflexo. Depois do que aconteceu na arena de Roma terá de ser ele. O melhor do mundo será argentino pela primeira vez, fazendo também um pouco de justiça a Pibe Maradona, que não viu a FIFA inventar o prémio a tempo de poder ganhá-lo ou a «France Football» alargar o critério da sua Ballon d`Or enquanto era D10S.

É verdade que há Messi. Também haverá Cristiano e o duelo será novamente entre os dois, lado a lado no sprint no tartan. Mais um. O terceiro consecutivo. Mas, depois de dois segundos lugares, será a vez do dez culé arrecadar o prémio tão ambicionado. Resta ao português, onde quer que ele esteja no próximo ano, como diz no anúncio, entrar em alta rotação desde o primeiro apito. E, mesmo assim, terá de lutar contra a imagem do rival a erguer a taça da Liga dos Campeões, com risos, festa e braços à sua volta, e com «Barcelona» a troar imponente na voz de Montserrat Caballé. Uma imagem que não se diluirá de um dia para o outro.

Mas e se o melhor do mundo fossem dois? E se não fosse nem Messi nem Ronaldo? E se não fosse um driblador ou um goleador, daqueles de quem se diz que lotam estádios? Apesar dos alelos em comum no ADN, eles não vivem um sem o outro. Iniesta é o ponto de chegada de Xavi, Xavi a grelha de partida de Iniesta. Juntos foram coração da Espanha campeã continental e do Barça vencedor da Champions. Os dois baixinhos juntos foram maiores do que Messi e Ronaldo, e ainda mais do que qualquer outro. Sozinhos falta-lhes estatuto. São os melhores amigos dos treinadores, mas estes, na votação mais importante de todas, deverão premiar as arrancadas e golos monumentais dos dois rivais. Algo aqui não faz sentido.

Xavi encanta-se com a bola, trata-a com a elegância de um cavalheiro e dança com ela ao longo do salão, até a entregar a um companheiro. Sempre delicado, sempre perfeito. Iniesta faz a ruptura, descobre que aquela valsa catalã às vezes até a ele aborrece e avança em passo de tango, na sua vez, para a baliza contrária, acabando de rosa na boca e camisola em rodopio. Mas a tarde, essa, começara com a Sardana, de mãos dadas e no ar, como torres da Sagrada Família. Pé direito à frente, pé esquerdo depois, tudo sincronizado. Uma vez, outra. De volta ao início. Agora mais rápido. Quererá a FIFA aprender a dançar?

«Era capaz de viver na Bombonera» é um espaço de opinião de Luís Mateus, subdirector editorial do IOL, que escreve aqui todas as semanas. Siga-o no Twitter
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