«Mais longe e mais alto» é uma rubrica do Maisfutebol que olha para atletas e modalidades além do futebol. Histórias de esforço, superação, de sucessos e dificuldades.

«Ainda é um bocado difícil de perceber como me senti. Claro que me senti feliz, mas ainda não consegui descrever bem as sensações que tive».

Foi nem há um mês que Camila Rebelo atingiu, aos 20 anos, um dos momentos mais especiais e importantes na natação.

Palma de Maiorca. Open de Espanha. 31 de março. Tempo: 02.09,84 minutos. Recorde nacional nos 200 metros costas e mínimos garantidos para os Jogos Olímpicos Paris2024.

A jovem atleta de Vila Nova de Poiares, a frequentar o segundo ano de Medicina na Universidade de Coimbra, tornou-se a primeira portuguesa a carimbar acesso às olimpíadas, juntando-se aos também nadadores Diogo Ribeiro e Miguel Nascimento.

Recordista nacional nos 100 e 200 costas e vencedora de dois ouros nos Jogos do Mediterrâneo em 2022, Camila tem dado provas de ser (mais) um valor acrescentado na natação. Portugal vai cada vez mais pensando ser possível sonhar com resultados outrora não vistos.

De costas a brilhar na natação, de frente com olhos na medicina. É assim a rotina de Camila.

«Temos sempre o desejo de chegar, no caso do desporto, ao campeonato mais importante, no caso os Jogos Olímpicos. Com 20 anos, já ter feito pelo menos a qualificação é muito bom. Conciliar isso com a medicina tem sido bastante bom, melhor do que o que podia imaginar quando entrei no curso», diz Camila, ao Maisfutebol, no meio de mais um dia entre água e livros.

«Normalmente num dia em que tenha bidiário e ginásio, acordo por volta das 6h00. Saio de casa às 6h30, começo o treino às 7h15, acabo o treino por volta das 9h15. Depois costumo estudar, dormir a sesta, almoço, depois ginásio, água, por volta as 17h30 saio da água e tenho aulas na faculdade até às 20h00. Depois chego a casa, janto e vou dormir».

No Louzan desde os dois anos: «Os da terrinha também são bons»

Camila começou cedo na água. Como a irmã. Tinha dois anos quando a mãe «queria» colocar as filhas na natação e é no Louzan que está desde então, bem perto de Vila Nova de Poiares. «Por volta dos sete anos o Gonçalo [Neves, um dos seus treinadores a par de Vítor Ferreira] convidou-me para começar a competir, aceitei e acabei por ficar, estive no Louzan Natação desde sempre e vou continuar», assegura.

Afinal, como defende, isso «demonstra que os da terrinha também são bons (risos)». E é ali também que tem a sua «referência nacional», o colega de equipa Gabriel Lopes.

Camila no Open de Espanha, onde alcançou os mínimos para Paris2024 nos 200 costas (Louzan Natação)

Chegou a nadar crawl, mas a dada altura começou a virar para costas, mais ou menos pela altura em que começou a representar as seleções, desde os 14 anos. Agora, é a especialidade que lhe permite concretizar o sonho olímpico. A estreia em Paris2024, está a pouco mais de um ano de distância e há objetivos. Mas, acima de tudo, a determinação de fazer «tudo para correr bem».

«Acho importante não pensar demasiado no resultado. Claro que se me perguntasse o que gostava, ir a uma final de uns Jogos Olímpicos seria o auge provavelmente, para não falar de uma medalha (risos), mas acho que não é bom ir a pensar: “Quero ir mesmo à final, se não for vou ficar triste”. Não. Temos de aproveitar, saber que fizemos tudo para correr bem. Se não correu, também não podemos pensar mal, mas a minha intenção é sempre o melhor resultado. Temos trabalhado imenso, foi um macro exigente no grupo de trabalho, no meu caso tive resultados e acabou por compensar o esforço. Acho que consigo continuar a evoluir, há sempre pormenores a melhorar, já estivemos a analisar a prova que fiz e é continuar a trabalhar para que consiga, daqui a um ano e pouco, o melhor resultado possível e que fique contente», aponta.

Garantido o principal objetivo do ano, 2023 tem ainda, porém, outras metas, como o Mundial em Fukuoka. «Será sempre para o melhor lugar possível, era engraçado uma final, logo se verá», antecipa.

Do dia em que foi parar ao hospital até ao ouro a antibióticos

No verão passado, Camila alcançou duas das suas medalhas mais importantes na carreira nos Jogos do Mediterrâneo Oran2022. Um exemplo de superação, até porque uma semana antes foi parar às urgências do Hospital de Coimbra com uma amigdalite, antes de conquistar o ouro… a antibióticos.

«Fui um bocado sem expectativas, porque no dia da viagem entrei nas urgências. Estava doente, mal, a médica disse que só me ia deixar porque sabia o quão é importante para um desportista de alto rendimento uma competição assim, importante, como os Jogos do Mediterrâneo, senão tinha de ficar cá. Eu pedi, por tudo. Cheguei lá e sentia o meu corpo debilitado, estava a antibióticos e prejudica sempre um bocado. Comecei pelas eliminatórias dos 200, acabei por ir para a final e sinto que quando estou com alguém que me puxa ao meu nível, que consigo retirar mais de mim. Até fui por causa disso que fui a Espanha e não só ao Nacional este ano [ndr: em março no Funchal, onde foi campeã nos 200 costas]. Acabei por conseguir, além de ficar em primeiro, fazer quase o mínimo olímpico. Na altura não contava, mas era um indicador espetacular para quem estava com antibiótico e tudo mais», conta.

Acabou com o ouro nos 100 e 200 costas e, nesta última distância, conseguiu também um dos outros resultados «mais importantes até agora», o quinto lugar nos Europeus de Roma. Igualou o melhor resultado feminino em Europeus, ao lado do quinto de Ana Catarina Monteiro nos 200 mariposa em Glasgow2018 e o quinto de Tamila Holub nos 1500 livres também em Roma.

«No Europeu, queria fazer um bom resultado. O primeiro objetivo seria passar à meia-final, consegui nos 200, foi excelente e fui à meia-final para desfrutar e se calhasse de ir à final seria muito bom. Consegui, fiquei feliz e na final foi aproveitar o ambiente, nunca tinha ido a uma final, nem nos Europeus nem nos Mundiais de juniores, então foi aproveitar, estar com grandes nadadoras, aprender e ver como elas estão nas câmaras de chamada, focar na prova e acabei por conseguir o quinto lugar, o que é muito bom e são bons indicadores», considera.

A exigência da medicina e a importância da saúde mental

Numa carreira dual como a de Camila, é preciso disciplina na rotina. Afinal, há exigência com aulas, exames, treinos, estágios e competições.

«Tem sido bastante difícil, até porque, por exemplo, este ano tive de faltar a alguns exames e não me deram oportunidade de os fazer noutra altura, devido aos regulamentos da universidade. Isso complica um bocado mais o que já é complicado. Tento fazer o melhor que consigo e o que é possível, mas é complicado», diz Camila, esperando ainda que alguns aspetos na faculdade «sejam melhorados» apesar do estatuto de estudante-atleta e de alto rendimento. «Já foi falado, estamos a tentar tratar a situação, que pelo menos a minha faculdade tente ser mais recetiva a mudanças. Sei que há outras universidades que são recetivas e mudam logo, esse é o único aspeto que está a ser mais complicado. De resto, tenho tido bastante ajuda, principalmente dos colegas e tenho professores que são simpáticos e ajudam, mas tem sido bom de um modo geral», atesta.

Conciliar as duas atividades exige, por vezes, tão ou mais do que o físico, preparação mental. Camila trabalha-a. «Estou a ser acompanhada por uma psicóloga. Estamos a trabalhar em como me vou sentir. Não tanto para um resultado mau ou bom, mas no antes, para não me sentir tão ansiosa e nervosa. É um aspeto importante que tem de ser trabalhado, porque às vezes mesmo não querendo, pode prejudicar a performance», analisa.

De resto, a futura médica e atual nadadora admite que «gostaria de continuar a trabalhar com o desporto», aliando-lhe a medicina.

Para já, a par dos estudos, tem ainda braçadas para dar e metas a cumprir. «Objetivos futuros será sempre continuar a ir a Europeus, Mundiais, talvez os próximos Jogos Olímpicos e tentar sempre o melhor lugar possível e continuar a trabalhar, que é importante».

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