Sentia-se que este podia ser o ano do Senegal. Para muitos a melhor hipótese africana de quebrar os tetos de vidro para o continente (quartos de final), no Mundial. Mas a lesão da estrela, Sadio Mané, devastou este entusiasmo.
O jogador do Bayern de Munique lesionou-se no último jogo da equipa alemã antes da prova. Ainda foi incluído na convocatória oficial do Senegal, na esperança de o recuperar durante o torneio, mas depois surgiu o choque da realidade: Mané riscado do Mundial.
Os ‘Leões’ até foram coroados campeões de África pela primeira vez, e têm estado no topo do seu futebol há algum tempo, tendo em conta duas finais da CAN e a qualificação para dois Mundiais consecutivos.
Existia uma grande confiança a fluir na equipa, e as expectativas no país eram tão grandes que não se descartada a hipótese de vencer o torneio.
A tradição no Senegal engloba a entrega da bandeira pelo Presidente da República, à equipa, antes da partida para grandes torneios, e antes da última CAN, nos Camarões, o discurso presidencial parece ter motivado a equipa como nunca.
«Um leão não pode ter medo», disse. «Desta vez o único lema que vale a pena é que temos de trazer este troféu, porque a nação está à espera, com esperança, há tantos anos. Com determinação e coragem, façam da CAN 2021 o tempo da vitória.»
Qualificaram-se para o Qatar vencendo o seu grupo e derrotando o Egito no play-off. Aliou Cissé prefere o sistema de 4x3x3, mas há problemas na lateral esquerda, sendo que Saliou Ciss, que foi excecional na CAN, está sem clube desde que deixou o Nancy, no verão. O meio-campo tem uma forte presença da Premier League, com Nampalys Mendy (Leicester), Pape Matar Sarr (Tottenham) e Idrissa Gana Gueye (Everton).
Quando ao ataque....bem, o ataque está sem Sadio Mané.
Comanda a seleção desde 2015 e é, sem dúvida, a pessoa que está mais fortemente ligada às conquistas mais épicas do país. Era um médio defensivo que «ladrava» e lutava mais do que tinha talento, na seleção que chegou à primeira CAN e jogou o Mundial 2002, sendo o protagonista da ascensão desta geração. Era adjunto da seleção senegalesa que chegou pela primeira vez aos Jogos Olímpicos, em Londres 2012. «Conheço estes miúdos e testemunhei como se tornaram homens», disse à Emedia Senegal. «Caminhámos um longo caminho juntos. Vi como cresceram. Somos mais do que uma equipa. Quando convoco jogadores sei que posso ir à guerra com eles.»
Desde que assumiu a seleção, descartou jogadores bem conhecidos, como Demba Ba, Papiss Cissé ou Papy Djilobodji, construindo a equipa nos seus termos, com muita coragem e disciplina. «Ele baniu imediatamente shisha, relógios grandes ou outras coisas que indicassem falta de humildade», disse um jogador. «Chamamos-lhe ditador. Ele disse: ‘É assim que trabalho e deixo que quem não aceite as regras se vá embora.'»
* A estrela era, originalmente, Sadio Mané, mas falha a prova por lesão.
Koulibaly podia ter jogado pela França, o seu país de origem, mas acabou por ganhar a CAN com o Senegal. E dois anos depois de ter escolhido o Senegal continuava a ser observado por Didier Deschamps, que desconhecia que já o tinha perdido. Numa gaffe televisiva, o selecionador francês falou das opções para a posição de central e mencionou o líder do Senegal, que tinha representado a França nos sub-17 e sub-20. Koulibaly impôs-se rapidamente na seleção senegalesa e tornou-se no chefe da defesa dos leões. Fora dos relvados, ainda está com a parceira de infância, Charline Oudenot, com a qual partilha algumas peculiaridades: nasceram exatamente no mesmo dia e na mesma cidade, em Saint-Dié-Les-Vosges, onde cresceram. Casaram-se em 2014, um ano antes de Koulibaly obedecer ao seu coração e optar pela seleção senegalesa.
Ao contrário de Mané, nascido e criado no Senegal, Boulaye Dia cresceu em França e tem dupla nacionalidade, tal como quase metade da seleção. Só se juntou à equipa em 2020, e a adaptação foi difícil, pela dura concorrência nos lugares de ataque. Agora, contudo, é um dos primeiros nomes na ficha de jogo. Pode jogar na direita ou como número 9, e revela um bom entendimento com Mané. Marcou o primeiro golo do recém-inaugurado estádio em Dakar, que ajudou o Senegal a qualificar-se para o Mundial. Está a ter uma boa época na Salernitana, que representa por empréstimo, após uma campanha mista no Villarreal. Recentemente falou à Gazzetta dello Sport e disse que, ao crescer, não tinha um herói futebolístico, tendo em conta que a família não tinha uma televisão em que pudesse ver os jogos.
Não é um problema no Senegal. Como o Qatar, o país tem uma maioria muçulmana que sente que a discussão sobre os anfitriões foi criada pelo Ocidente, como desculpa para criticar qualquer cultura que não a sua. Como tal, os jogadores não comentam os assuntos problemáticos como as condições de trabalho dos migrantes. Uma controvérsia rara foi quando surgiu a informação de que Idrissa Gueye teria recusado jogar pelo PSG com o símbolo do arco-íris na camisola. O jogador não falou do assunto, mas a atitude foi apoiada por diversos colegas de equipa, e mereceu uma ovação de pé no seu primeiro jogo no Senegal, depois do incidente. Tal como no Qatar, a homossexualidade é ilegal no Senegal.
O hino nacional do Senegal chama-se «O Leão Vermelho». Um animal emblemático no país, que simboliza a coragem do povo senegalês. O hino foi escrito pelo antigo Presidente da República, Léopold Sédar Senghor, que foi também um escritor e poeta mundialmente reconhecido. A música foi composta pelo francês Herbert Pepert. As letras combinam simbolismo festivo com o conceito da guerra, e o hino termina com uma nota de união africana.
Quem mais? O soberbo avançado do princípio dos anos 2000, que jogou pelo Liverpool e Bolton, entre outros. É o exemplo do primeiro sucesso senegalês no palco mundial, e é justo dizer que o seu aspeto de bad boy ajudou. Os seus golos ajudaram o Senegal a chegar ao primeiro Mundial, e é um herói para muitos jogadores da seleção atual, incluindo Sadio Mané. Ainda está com a seleção nacional, como consultor do presidente da federação senegalesa. Quando lhe dizem que Mané é o melhor jogador senegalês de sempre, o antigo avançado, que teve uma famosa guerra de palavras com Steven Gerrard, diz apenas que tinha duas Bolas de Ouro de África aos 22 anos, «sem muito esforço», e que tinha 54 prémios de melhor em campo em 55 jogos. Ninguém se atreve a contradizê-lo, claro.
Textos de Babacar Ndaw Faye, que escreve para Emedia Senegal.